Detalhes mecânicos de Chassi e Carroceria parcialmente unidos

Em carros de projeto voltado para o desempenho e veículos de competição, observou-se que a utilização de chassis tubulares mostrava-se mais adequada as grandes exigências de rigidez torcional. Os carros de corridas passaram a utilizar sessões tubulares de paredes internas de fina espessura, e obtiveram bons resultados. A utilização de tubos foi expandida, e logo chegou o conhecido chassi espinha dorsal, ou configuração de chassi backbone, que apareceu em meados dos anos 1930. Tratava-se, também, de uma estrutura composta por tubos, mas que creditava sua maior rigidez a uma larga sessão central.

Com tempo, novas tecnologias e materiais foram aparecendo, a solda estava mais moderna e chassis completamente tubulares apareceram. Além disso, chassis do tipo space frame combinavam painéis metálicos e sessões de longarinas resultando em uma configuração com rigidez bastante elevada. Como se não bastasse todas as contribuições da indústria aeroespacial para os automóveis, os monocoques, derivados dos aviões de combate, fabricados em fibra de carbono atualmente dominam as competições automobilísticas. Estes exemplos de chassis que são enquadrados na categoria de chassis e carroceria parcialmente unidos, um meio termo entre as estrutura do tipo escada e a monobloco. São bastante explorados por uma categoria específica de veículos, a de alto desempenho. Entretanto, estes sistemas cobram caro pela elevada rigidez torcional, penalizando drasticamente outros importantes atributos do veículo. Este artigo tem como objetivo detalhar as características mecânicas e estruturais desse tipo de chassi, bem como seu impacto no veículo.

Aplicação

Embora muito foi dito desses tipos de chassis em relação a veículos de alto desempenho, foi na década de 30 e em veículos de uso civil que eles surgiram. Veículos da marca Tatra e Fiat já apareciam com o chamado “X shape”, ou chassi em X. O Fiat 1500 de 1935 exibia um chassi com sessão em X, na qual a parte central formava uma estrutura tubular, que alojava o eixo de transmissão. Na década de 1950, o Volkswagen Sedan (Fusca) aparecia com o chassi plataforma, uma configuração que permitiu a Volkswagen obter uma grande variedade de veículos utilizando o mesmo chassi. Curiosamente há relatos de que o projeto do Fusca teve grande influência dos veículos da Tatra.

Com o processo evolutivo, a configuração de chassi e carroceria parcialmente unidos entrou em desuso, pois a então nova estrutura monobloco conseguia aliar ótima rigidez e um amplo espaço interno. Dessa forma, os veículos projetados para uso civil abandonaram totalmente os chassis e carroceria parcialmente unificados. Porém, historicamente estruturas tubulares sempre foram populares meios competitivos e em carros esportivos. A rigidez a torção obtidas pelos tubos era superior a das longarinas. De chassis tubulares simples, se obteve os primeiros chassis backbone, ou espinha dorsal em português. Dessa forma, os chassis parcialmente unidos se tornaram populares em veículos esportivos e de competição.

Os veículos da marca inglesa Lotus foram pioneiros nessa técnica, carros como Europa, Elise, Exige e Esprit utilizaram, e os que ainda são fabricados, ainda utilizam tal configuração de chassi e carroceria. A TVR, é uma marca inglesa de veículos esportivos, conhecida por carros como Cerbera, Chimaera e Speed 12 utilizou em seus veículos estruturas completamente tubulares. Basicamente eram chassis tubulares do tipo espinha dorsal, que tiveram a inclusão de um “roll cage”, ou gaiola, formando uma estrutura inteiramente tubular. Atualmente este tipo de configuração de chassi e carroceria utiliza os modernos chassis space frame, estrutura que combinam sessões de longarinas com chapas aço ou alumínio e o monocoque, uma estrutura feita de fibra de carbono, na qual grande maioria dos carros de corridas são fabricados.

Características

Os chassis e carrocerias parcialmente unidos são uma categoria de estrutura mecânica automobilística notadamente de alta rigidez. Isso se deve a utilização de materiais e técnicas que conseguem entregar grande resistência a momentos internos e forças cisalhantes. Tubos são muito resistentes à torção, quando combinados com estruturas de compósitos, aço ou alumínio conseguem elevar a resistência do chassi.

A montagem da carroceria é feita, mais geralmente, por parafusos. Embora de simples construção, são elementos que naturalmente tendem a gerar ruídos devido a folga dos mesmos. Rebites também são comuns, porém são mais utilizados em veículos de competição. O conjunto é de simples fabricação e não exige maquinários sofisticados, porém o processo de fabricação requer muito mais trabalho braçal, o que limita a capacidade produtiva deste tipo de estrutura. Não à toa, veículos realmente esportivos possuem tiragem pequenas, entre 400 e 3.000 unidades.

Embora consigam entregar elevada rigidez, não conseguem prover uma vida a bordo tão confortável. Geralmente, carros com esse tipo de estrutura possuem o espaço interno comprometido, com porta-malas minúsculos e espaço interno que raramente é capaz de acomodar quatro pessoas. Além disso, devido às suas características, o design da carroceria, em algumas aplicações, acaba prejudicando a visibilidade do condutor.

Tipos

Existem algumas variações dessa configuração de chassi e carroceria que estão listadas abaixo:

  • Chassi “X shape” ou “X cross beam”;
  • Chassi plataforma;
  • Chassi espinha dorsal;
  • Chassi tubular;
  • Chassi space frame;
  • Chassi monocoque.

“X shape” ou “X cross beam”

Inicialmente, este tipo de chassi surgiu como uma variação do chassi de longarinas, porém ao invés de vigas transversais havia uma estrutura em X na qual as longarinas são fixadas. Essa alteração melhorou consideravelmente a rigidez a torção do chassi. Posteriormente, na década de 1930, uma variação deste chassi apareceu, nesta saiam as grandes sessões de longarinas, que eram reduzidas a sessões restritas apenas as extremidades do chassi e se encontravam na região central do mesmo. O processo de fabricação, para a época era inovador, utilizando chapas de aço soldadas.

As longarinas se juntavam na porção central formando tubo, por este passava o eixo de transmissão (a tração traseira era muito utilizada naquela época). Esse detalhe conferia ao chassi maior rigidez torcional. As barras transversais, comuns no chassi escada, neste se reduziam a duas. Além disso, estas passavam a ser escoras soldadas na porção central do chassi.

Essas alterações permitiram que a carroceria pudesse ser montada em uma posição mais baixa, detalhe esse que ajudava a reduzir o centro de gravidade do veículo melhorando a comportamento dinâmico do mesmo. A carroceria é montada sobre o chassi em X por meio de parafusos, e possui uma certa contribuição com a rigidez torcional do veículo. Entretanto, este tipo de chassi limita o espaço interno do veículo, visto que o tubo formado pelas chapas de aço rouba um pouco deste. Esse detalhe pode passar despercebido em um veículo de competição ou esportivo, mas não em um veículo com proposta de uso urbano.

Chassi plataforma

De certa forma, o chassi plataforma é uma evolução do chassi em X. Algumas literaturas assim o reconhecem, e de fato, ambos os chassis possuem em comum a estrutura central na qual promove elevada rigidez torcional ao conjunto chassi e carroceria. O chassi plataforma surgiu na década de 1950 no Volkswagen Sedan, foi tão eficaz no quesito simplicidade de fabricação e robustez que por mais de meio século continuou em produção, até as descontinuações de Sedan e Samba (Kombi).

A estrutura é bastante simples, uma viga central de formato que mistura zonas circulares e retas servindo de suporte para assoalho, sistema de direção, suspensão e o trem de força, que neste caso é traseiro. Quando completamente montado, o aspecto visual é de um assoalho plano com espaços bem definidos. O espaço da cabine inclusive, é separado pelo túnel central. A carroceria é aparafusada no chassi e também promove uma resistência extra à torção.

O chassi plataforma é simples de fabricar, de fácil manutenção e baixo custo de materiais, e claro, muito robusto. Contudo, assim como nos chassis em X e espinha dorsal, a invasão do habitáculo devido ao túnel central prejudica o espaço interno. O passageiro que sentar na parte central do assento traseiro ficará em uma posição desconfortável devido a elevação que aquele ponto possui. Além disso, com o tempo de uso os crescentes ruídos da carroceria aparafusada tornavam-se incômodos e já denunciavam que a tecnologia já não era a mais adequada para carros de baixo custo.

Chassi espinha dorsal

As primeiras aparições deste chassi datam dos anos 1930 em veículos da marca Tatra, os chassis destes eram muito semelhantes ao conceito plataforma visto no Fusca na década de 1950. Entretanto, as aplicações de chassi do tipo espinha dorsal são voltadas para veículos esportivos e de competição. O motivo é simples, a rigidez da estrutura é promovida por uma larga sessão central, semelhante ao dorso e geralmente maior se comparada à seção central dos chassis acima citados. A sessão pode ser fabricada com tubos de aço ou por chapas de aço, ambas com grande área transversal. Os sistemas de suspensão e direção são montados nas extremidades do chassi.

A carroceria é montada sobre o chassi por meio de parafusos, porém os diversos pontos de fixação desta no chassi ajudam ao conjunto obter um nível de rigidez tão elevado, que se contabilizada a rigidez da carroceria e do chassi em separado, ainda assim não atingiria a rigidez obtida do conjunto montado. Este conjunto chassi e carroceria se mostrou mais do que adequado em veículos de alto desempenho não apenas pela rigidez, mas também pela facilidade de incorporar suspensões independentes, amortecedores e freios inboard e boa adequação de trens de forças traseiros ou dianteiros com tração traseira ou nas quatro rodas. Consequentemente, a cabine do motorista ficou bastante prejudicada. O projeto de um veículo com este sistema deve lidar com a grande invasão do túnel central (muito mais largo se comparado aos chassis em X e plataforma), com a transferência de calor devido a proximidade com o motor e com a ergonomia do condutor. Em geral, o espaço para bagagem é resumido a nada, ou a uma ou duas mochilas. É um tipo de chassi notadamente voltado para veículos de alto desempenho.

Chassi tubular

Catheram Sevem, antigo Lotus Seven.

Embora alguns dos chassis acima descritos se encaixem na descrição de um chassi tubular, nem todos possuem o formato característico de um chassi espinha dorsal. Na verdade, o chassi tubular é todo chassi em que sua estrutura é completamente feita a base de tubos, com muitos destes formando treliças para aumentar a rigidez. Isso se deve ao momento de inércia que seção transversal de um tubo possui, que é maior que o momento de inércia para uma seção transversal quadrada ou retangular. O uso de armações triangulares de tubos ou treliças serve para aumentar a rigidez a torção, sem que seja necessário um largo túnel na parte central do chassi. Curiosamente, o chassi espinha dorsal também possui região central feita com treliças.

Dessa forma o chassi pode se aproximar do formato da carroceria através de um arranjo de tubos nos quais possuem treliças, para compensar a ausência de um túnel central menor. Uma dessas estruturas bastante populares em carros esportivos, é o chamado bathtub layout. Sua forma lembra ao de uma banheira, onde toda a estrutura de treliças está em volta do espaço da cabine e trem de força. Essa estrutura foi bastante eficaz, permitindo uma grande rigidez a torção e simplicidade das peças da carroceria, que podiam ser fixadas diretamente no chassi. Dessa forma, era possível aliar simplicidade de manutenção, fabricação e baixo peso do conjunto final. Um exemplo de veículo que utiliza até hoje essa estrutura é o Caterham Seven (antigo Lotus Seven).

Este carro utiliza um trem de força dianteiro, mas com tração traseira. Com o chassi em forma de banheira, as zonas do trem de força e da cabine estão muito bem definidas. Em volta destas estão as treliças, principalmente na lateral do veículo onde senta o motorista, sessão crítica de qualquer chassi automobilístico. Entretanto, o exemplo acima trata-se de um veículo conversível, no qual muitas de suas versões não possuem sequer um para-brisa. Em aplicações nos quais os carros possuem teto rígido, é necessário que o chassi seja abrangente em toda a estrutura do veículo. Dessa forma utilizam-se roll cages, ou em português brasileiro, gaiolas.

Gaiolas são estruturas tubulares utilizadas em veículos de competição para não apenas aumentar a rigidez torcional, mas principalmente a segurança do piloto em caso de impactos. Portanto, é também um item de segurança passiva. Assim sendo, muitos veículos de esportivos e de competição que já possuem estruturas tubulares, podem ser incorporados com uma gaiola. O resultado é uma estrutura que compreende toda a zona do trem de força, cabine e teto. A rigidez a torção aumenta e o conjunto passa ser um estrutura completamente feita por treliças, tanto nas zonas da espinha dorsal como na gaiola. O nível de rigidez do conjunto vai depender da inclinação dos tubos que compõem a treliça e dos pontos de fixação da gaiola no chassi tubular original.

Chassi space frame

O space frame é um tipo de chassi que derivado de todas as estruturas acima, sua maior inovação é funcionar como uma célula de proteção, que no caso é cabine, na qual todos os painéis e componentes mecânicos são fixados. Esse conceito por si só não é inovador, porém a utilização de diferentes tipos de materiais e a combinação destes com estruturas tubulares ou vigas resulta em um conjunto muito rígido. Basicamente o space frame é a cabine do veículo, uma estrutura que pode ser fabricada de alumínio extrudado, compósitos plásticos e até fibra de carbono. Onde estruturas metálicas, tubos ou vigas, são fixadas para servir de suportes aos sistemas mecânicos do veículo. A região da cabine concentra toda a rigidez a torção do veículo.

Este tipo de chassi e carroceria parcialmente unido pode receber qualquer tipo de trem de força, com isso seu aspecto pode variar. Um dos space frames bastante conhecidos são os chamados punt ou estrutura plataforma de fundo chato. Estas estruturas são bastante compactas e leves que são frequentemente utilizadas veículos esportivos conversíveis e spiders, geralmente com trem de força central ou traseiro. Um dos exemplos de carros que utilizam esse tipo de space frame são modelos Elise e Exige da Lotus.

Os space frames que são utilizados para veículos com trem de força que contemplem um eixo de transmissão (eixo cardã), a estrutura pode se assemelhar bastante ao chassi backbone, onde uma larga e rígida estrutura central é utilizada como forma de garantir a elevada rigidez do conjunto. Contudo, diferente dos chassis espinhas dorsais originais, a seção central é feita com painéis de alumínio extrusado, aço ou compósitos.

Chassi monocoque

O termo monocoque é uma palavra com dupla origem, embora muitas literaturas a atribuam a língua francesa. O termo mono, é de origem grega e significa único, o termo coque é de origem francesa e significa concha. Portanto, monocoque significa, em tradução literal, concha única, e é exatamente isso que essa estrutura é. Assim como uma concha, a superfície externa do monocoque possui dupla funcionalidade, ou seja, é um elemento estrutural e superficial, neste caso definindo o formato e aerodinâmica da carroceria.

Monocoque de um protótipo da categoria WEC.

Essa tecnologia é derivada da indústria aeronáutica, que antigamente os aviões eram fabricados totalmente em madeira, um monocoque rústico porém muito resistente. Posteriormente o uso da fibra de carbono tornou-se padrão, pois esta além de muito mais resistente que a madeira, alumínio e o aço, possui densidade mais baixa, o que resulta em um conjunto total mais leve. As aplicações para automóveis se restringem a veículos projetados restritamente para competição, ou seja, veículos de categorias monopostos como, esporte-protótipo, Fórmula 1 e Fórmula Indy. Isso se deve ao fato de, a estrutura do monocoque ser efetivamente resistente apenas quando não há interrupções em sua estrutura. Essas interrupções são as aberturas para portas e tampas. Uma vez que carros de rua precisam de portas e tampas, para acesso a cabine, porta-malas e motor, essas interrupções fariam com que o monocoque não obtivesse a resistência adequada. Além disso, são estruturas feitas por inteiro, utilizando materiais compostos, não peças de reposição.

Referências

  • A. CROLA, David, Automotive Engineering Powertrain, Chassis System and Vehicle Body, Oxford, Elsevier, 2009. 835p;
  • GENTA, Giancarlo, MORELLO, Lorenzo, The Automotive Chassis Volume 1 Components Design, Torino, Editora Springer, 2009. 633p;
  • HEISSING, Bernd, ERSOY, Metin. Chassis Handbook – Fundamentals, Driving Dynamics, Components, Mechatronics, Perspectives, Germany, Vieweg+Teubner, 2011. 591p.