O gerenciamento de combustível nas corridas automobilísticas através da aquisição de dados

Existem diversas modalidades de corrida, todas com suas regras e normas que determinam como a corrida será planejada pelas equipes. A duração de uma corrida está diretamente conectada ao quanto de combustível um automóvel vai gastar, além disso, podem existir paradas para reabastecimento ou não. Em ambos os casos, exige-se que as equipes planejem e efetuem cálculos para determinar a quantidade de combustível necessária para que o veículo consiga completar a prova.

Este artigo vai demonstrar alguns exemplos de planos de corrida e métodos de cálculo de consumo de combustível, bem como o uso da aquisição de dados para realizar esse planejamento.

Plano de corrida

O plano de corrida é o levantamento das informações a cerca desta, para isso é necessário consultar o cronograma do evento e, até mesmo,  dados históricos de outras corridas realizadas no mesmo circuito. Por isso, nunca se deleta os dados de uma corrida, estes servem de banco de dados para testes, treinos, desenvolvimento e corridas posteriores.

Como exemplo, utilizaremos uma corridas da categoria GT Sprint que ocorreu em Zolder, Holanda. Primeiramente, deve ser levantadas as seguintes informações:

  • Duração da corrida: 60 min = 3.600 s;
  • Tempo médio da volta de largada: 98 s;
  • Tempo de volta de entrada para o box (in lap): 104,5 s;
  • Tempo de volta de saída do box incluindo o tempo do próprio pitstop (out lap): 118,3 s;
  • Tempo médio de volta em ritmo de prova: 92,5 s.

Nesse certame as equipes devem realizar pelo meno uma parada no boxes para troca de pneus e re-abastecimento, de forma que essas voltas do procedimento de pitstop e a volta de largada são descontadas do tempo total de prova. Então tem-se que:

3600 – 98 – 104,5 – 118,3 = 3279,2 s

Em outras palavras, dos 3.600 s de corrida, 3.279,2 s serão, efetivamente, em ritmo de prova. Dessa forma, é possível determinar o número de voltas de prova:

3279,2 / 92,5 = 35,45

Arredondando, a corrida terá 36 voltas é ritmo normal de corrida, porém, devem ser contabilizadas as voltas de largada, entrada e saída de box, totalizando 39 voltas serão dadas dentro da 1 h desse grande prêmio. Com esses cálculos pode-se estipular o tempo de volta que o piloto deve fazer para concluir a prova em um determinado número de voltas. Por exemplo, para completar 40 voltas ao invés das 39, qual seria o ritmo de corrida que o piloto teria que manter?

3279,2 / n = (40 – 3)

n = 3279,2 /37 = 88,62702703 s = 88,627 s

Então, o piloto teria que pilotar em um ritmo frenético, sendo cerca 3,873 s mais rápido por volta. Muito provavelmente, uma situação que não seria viável.

Agora que é de conhecimento o número de voltas da prova, é possível levantar alguns dados de consumo de combustível:

  • Volta até o grid de largada: 1.80 L;
  • Volta de aquecimento: 2.00 L;
  • In lap: 2.50 L;
  • OUT Lap: 2.45 L;
  • Consumo de combustível por volta: 2.55 L/Lap;
    • Para 37 voltas (36 + 1 (largada)) = 37 x 2,55 = 94,4 L
  • Consumo de combustível para levar o carro até o parque fechado após a corrida: 1.80 L;
  • Scrutineering: 3.00 L;
  • Segurança: 1.00 L.

Os dados acima são os dados históricos citados anteriormente, nas corridas de carro o consumo de combustível não é dado em milhas/galão ou km/h. Com o sistema de aquisição de dados é possível verificar o quanto de combustível é consumido a cada volta, as equipes então fazem suas médias de acordo as informações a cerca dos seus carros, assim esses dados são obtidos.

Entretanto, existem dois dados entre os listados acima que merecem atenção, o primeiro é o Scrutineering e o Segurança. Scrutineering é um procedimento feito por todas as categorias, no qual é colhido uma amostra de combustível dos carros após a corrida. O objetivo desta é a avaliação do combustível utilizado para verificar se este está de acordo as regras e normas que os fornecedores de combustível da competição devem seguir. É importante salientar que, em algumas categorias a pane seca após o fim da prova, impossibilitando de conduzir o veículo até o parque fechado, pode ser passivo de punição.

O valor de segurança é um valor de volume de combustível suplementar com o objetivo de evitar que o veículo fique sem combustível após o final da prova,. Uma vez que, as corridas são, de certa forma, imprevisíveis sendo normal que a quantidade de combustível calculada para efetuar exatamente as 39 voltas seja insuficiente. Portanto, coloca-se um pouco mais de combustível para garantir que o veículo possa chegar até o parque fechado.

Então, calcula-se o consumo de combustível

1,80 + 2,0 + 2,50 + 2,45 + 94,4 + 1,80 + 3,00 + 1,00 = 109,0 L

De posse dos dados de consumo por volta e do número estimado de voltas da prova, calcula-se o volume total de combustível consumido e, por fim, o objetivo maior desse cálculo, o valor da massa de combustível que o veículo está carregando  no início da corrida e a que estará no final da prova. Para efetuar esse cálculo é necessário saber os parâmetros do combustível. O fornecedor de combustível de uma categoria sempre informa uma ficha com as características técnicas de seu produto.

O parâmetro necessário agora, é a densidade. Nesse primeiro exemplo, a densidade é de 0,755 kg/L :

Massa de combustível no momento da largada:

(109 – 3,8) [L] x 0,755 [kg/L] = 105.2 x 0.755 = 79.4 kg

Massa de combustível no final da corrida:

(1,80+ 3,00 + 1,00) [L] x 0,755 [kg/L] = 5.9 x 0.755  = 4.5 kg

Delta de massa:

74.9 kg

A importância da massa do combustível

Se existe algo que passa despercebido por muitas pessoas que acompanham o automobilismo, é a massa de combustível consumida durante uma prova. Isso é até natural, pois as pessoas sempre relacionam a quantidade combustível com o volume ocupado por este. Entretanto, para os engenheiros que trabalham em uma equipe de corrida, a massa de combustível carregada é severamente mais importante.

Isso ocorre pois, no automobilismo os carros são totalmente voltados para o máximo desempenho, e isso é sinônimo de máxima potência e o mínimo de peso. Portanto, ao encher o tanque de combustível antes da prova, o que está sendo feito é carregar ainda mais o veículo. A quantidade de combustível que se larga para uma corrida depende da categoria. Em geral é praticado largar com tanque cheio ou com a quantidade de combustível restante do último treino classificatório. Dessa forma o engenheiro responsável pelo carro deve gerenciar o consumo de combustível durante todo o fim de semana do evento.

Na maioria das categorias é comum os veículos largarem pesados, pois estão cheios de combustível. Contudo, a medida que o combustível vai sendo consumido, os carros vão ficando mais leves e seu comportamento se altera durante a prova. Segundo Segers (2009) essa alteração mexe com o balanço do chassi, pois o centro de gravidade do veículo também se desloca, verticalmente. O autor ainda complementa, que em veículos sem célula de combustível, e nesse caso, falamos do tradicional tanque, porém projetado para fazer parte da estrutura do veículo da forma mais equilibrada possível, chega ser necessário até contabilizar as variações longitudinais do centro de gravidade.

Consumo de combustível

O cálculo do consumo de combustível não é tão complicado e possui diversas formas ser feito. Segers (2008) sugere que medir o volume do tanque de combustível pode ser uma solução simples e rápida, mas que depende da qualidade do sensor no tanque. Também pode ser feita a medição do fluxo de combustível entre o tanque e o motor, através dos dutos de alimentação e de retorno de combustível. A diferença de valores é valor da quantidade de combustível. É importante lembrar que, fluxo é uma taxa, uma medida que mostra a variação no tempo, então é precisa saber o tempo no qual o veículo foi utilizado.

Temperatura

Todo cálculo de consumo de combustível pode sair completamente errado se uma variável for desprezada, a temperatura. Dentro do tanque de armazenamento, dentro do tanque do veículo, durante a prova e nas mais variadas situações, a temperatura está variando e, portanto, sua densidade.

Exemplo de ficha técnica do fornecedor de combustível.

O fornecedor de combustível da categoria sempre informa as características do seu produto, basicamente, sua ficha técnica, como na figura acima. Entretanto, a densidade informada na vasta maioria dos casos foi determinada em condições controlada, a uma temperatura de 15 °C, sendo necessário a constante correção do volume de combustível devido a variação de temperatura. Essa correção é realizada através da seguinte equação:

 

Onde ρ15 é a densidade do combustível informada pelo fabricante e a expressão no denominador é o fator de correção para a nova densidade. Esse fator é obtido pela seguinte equação:

 

Onde T, é a temperatura atual do combustível e a, é um constante no valor de 0,0008. Efetuado os cálculos do fator de correção, basta jogar na equação acima para determinar a nova densidade do combustível. De posse desta, verifica-se no data logger o consumo de combustível calculado e comparar com valor de combustível calculado manualmente.

Utilizando a aquisição de dados

O primeiro passo é confeccionar o gráfico de linha temporal com a variável nível de combustível, o exemplo acima foi editado para entregar as informações necessárias para o cálculo do consumo de combustível. Percebe-se que, o veiculo deu 5 voltas, saiu com 30,11 L e retornou aos boxes com 20,70 L. Desconsidera-se o súbito pico de nível de combustível informado. Dessa forma, podemos dizer que nessas 5 voltas o consumo de combustível foi de:

 

No cálculo acima consideramos duas voltas, que geralmente são desconsideradas, a out lap e a in lap. Dessa forma, calculamos o consumo de combustível levando em consideração os procedimento de saída e de entrada do box, que é quando o veículo trafega com velocidade limitada. Esse valor por sua vez, não é tão interessante, visto que não sabemos o consumo do veículo em ritmo de corrida. Portanto, devemos debitar a out lap e a in lap do cálculo.

Então calcula-se as duas voltas:

  • Out lap: 30,11 – 28,41 = 1,70 L;
  • In lap: 22,19 – 20,70 = 1,49 L.

E efetua-se novamente o cálculo de consumo com os novos valores:

Calculando a massa através do data logger

Como pode ser comprovado pelo gráfico acima, o veículo tinha 30,11 L antes de ir para pista e 20,70 L após entrar nos boxes. Então o data logger indica que forma gastos 9,41 L de gasolina para efetuar as cinco voltas, e que como vimos, resultou 1,882 L/lap de combustível. O fornecedor de combustível informou que seu combustível tem densidade de 0,75 kg/L em 15 °C.

Para determinar massa de combustível fornecida ao veículo, temos que saber em qual temperatura aquele se encontrava. Logo, a nova densidade será:

Com a nova densidade, pode-se encontrar a massa de combustível antes do veículo ir para pista:

Ao retornar ao box, dashboard informava que o veículo estava com 20,70 L de gasolina, porém não podemos utilizar o valor de ρ29, pois o combustível no tanque não está mais nessa temperatura (29 °C) desde o começo das 5 voltas. Portanto, devemos seguir o mesmo procedimento acima, porém para uma nova temperatura. Em geral, a temperatura no tanque de combustível durante a corrida varia entre 35° e 45°C, nesse caso o volume restante estava a 40°C. Logo, tem-se que:

A massa de combustível restante após as cinco voltas será:

Logo, a massa de combustível consumida será de:

Δm = 22,245268 – 15,111 = 7,134268 kg

Cálculo do consumo através data logger

O software de aquisição de dados possui um algoritmo programado para cálculo de consumo de combustível. Em qualquer sistema de injeção eletrônica, o combustível é injetado no motor através do bico injetor,  uma eletroválvula capaz de pulverizar o combustível na câmara de combustão. O total de combustível injetado e, consequentemente, consumido é determinado pela seguinte equação:

Consumo 1 injetor = (Tempo de injetor aberto) x (vazão do injetor)

Dessa forma, o consumo total de combustível em um determinado período de tempo, é dado pela soma do consumo de cada bico injetor dentro desse delta de tempo. Segundo Segers (2008) os softwares de aquisição de dados utilizam uma variável de seu código que informa o tempo total que o bico injetor permaneceu aberto em função do tempo decorrido. Através desta é possível calcular as seguintes variáveis:

  • Quantidade de combustível utilizado;
  • Quantidade de combustível restante no tanque;
  • Quantidade de combustível utilizado por volta;
  • Número de voltas que o combustível restante permite completar.
Crédito foto:

O exemplo ilustrado acima mostra o Motec Dash Manager, no qual podemos programar um canal de cálculo para o software utilizar os dados do mapa de injeção e determinar as informações listadas acima. O canal é programavel, o que significa que pode-se alterar para diferente tipos de situações, bastando colocar as informação de vazão de combustível pelos bicos injetores, representadas pelos campos onde na figura acima estão preenchidos com os números 884 e 100. Atentar para a unidade, mililitros. O campo onde tem escrito raw channel é o canal gerado pela ECU que informa o tempo total no qual os injetores ficaram aberto.

Referências

  • Segers. J. Analisys Tequiniques for Racecar Data Acquisition, 1° Edição. Warrendale, PA. SAE International. 2008.

Foto de capa

  • Crédito da foto: https://www.bmw-motorsport.com/en/topics/magazine-article-pool/Pitstops_DTM_IMSA_WEC_24h.html