O Etanol utilizado nos motores de combustão interna automotivos

A utilização do etanol na história automobilística segue paralela a utilização da gasolina, porém o etanol, mesmo sendo mais barato, foi pouco utilizado como combustível, mas bastante utilizando como agente antidetonante para a gasolina. Do fim do século 19 até o fim da primeira guerra os álcoois (etanol incluso) se tornaram produtos indispensáveis para utilização eficiente da gasolina, visto que naquela época era apenas provenientes de destilação direta do petróleo e possuíam baixa octanagem. Mesmo assim, o primeiro motor de combustão interna do ciclo otto a ser patenteado, em 1861, utilizava etanol como combustível devido ao custo deste ser inferior ao da gasolina.

Com a expansão da industrialização, crescimento na produção de gasolina e a ilusão de que as reservas de petróleo durariam um período indeterminadamente longo, a produção de etanol era voltada para utilização como aditivos antidetonantes e reservas emergenciais de combustível. Estas reservas visavam reduzir as importações de petróleo e foram bastante úteis para alguns países durante a segunda guerra mundial.

Finalmente, após o fim da segunda guerra o preço do petróleo baixou novamente, e a produção de etanol foi abandonada em muitos países por cerca de 28 anos. O resultado foi o colapso no preço do barril de petróleo em 1973 que catapultou de US$ 2,91 para US$ 12,45. Foi com esse aumento de preço e de pressão de órgãos não governamentais contra a emissão de poluentes que fez a indústria automotiva e petrolífera buscar soluções para reduzir o consumo de combustível e emissão de poluentes. O preço do barril de petróleo ainda pioraria em 1979, subindo para US$ 88,00.

Este artigo tem como objetivo explanar um breve histórico do etanol no Brasil, porém com foco nas propriedades, na composição, forma de avaliação da capacidade de compressão e nos efeitos percebidos no motor devido ao etanol utilizado nos motores de combustão interna.

Etanol no Brasil

A história do automóvel no Brasil também teve participação do etanol antes do que muitos imaginam. Muito antes de se tornar um produtor, no começo do século XX, o Brasil importava gasolina para abastecer a pequena frota nacional, há registros de que veículos oficiais em alguns estados eram abastecidos com etanol, além disso na década de vinte, veículos movidos com uma mistura de 75% de etanol e 25% de éter já eram realidade.

Na década seguinte o Brasil teve sua produção de etanol responsável por 7% do consumo nacional de combustível, e a partir daí registrou certo crescimento até o ano do colapso no preço do barril de petróleo em 1973.

O impacto da crise foi mundial, e mesmo com a descoberta de petróleo na Bacia de Campos(RJ) em 1974 ainda levaria tempo para que se começasse realmente a produzir petróleo. O que realmente aliviou a economicamente a crise no Brasil foi a criação do Proálcool em 1975, que em sua primeira fase(1975-1979) destinou-se a produção de álcool etílico anidro para misturar a gasolina. A porcentagem de mistura foi de 20% de álcool etílico anidro em 1980. Além disso também foram implementados incentivos fiscais para produção de veículos movidos somente etanol hidratado, e em Julho de 1979 a Fiat lançava o Fiat 147 movido a etanol. Mais de vinte anos depois a Volkswagen lançava o Gol 1.6 Total Flex, dando início a tecnologia flex, na o qual o motor funciona ora com gasolina, ora com etanol ou com a mistura dos dois em qualquer proporção.

Composição

O etanol possui fórmula química:

\[ C_{2}H_{5}OH \]

e no Brasil, para combustíveis automotivos, são utilizados dois tipos de etanol:

  • O etanol anidro, que é utilizado para ser misturado com a gasolina em um teor de 22%, seu teor alcoólico permanece entre 91,1 e 93,3 e possui adição de água em 0,4%v (em volume).
  • O etanol hidratado que é utilizado como combustível para motores flex ou somente a etanol, possui baixo poder calorífico (5.952Kcal/kg) se comparado a gasolina (10.500Kcal/kg) e alta temperatura de vaporização, 78,2°C, também possui adição de água, com o teor mínimo de 4,9%v, seu teor alcoólico é de 95.

Propriedades

O etanol apresenta propriedades semelhantes às da gasolina, entretanto, possui suas particularidades.

Índice de octano – IO (Octanagem)

Quando se fala de etanol não se fala em octanagem, mas mesmo que de forma controversa, o etanol possui também seu índice de octano. Na gasolina o IO é determinado através de um ensaio em um motor CFR capaz de variar sua taxa de compressão. A gasolina a ser avaliada é ensaiada e tem seu resultados comparados ao n-heptano e o iso-octano. Acontece que esse ensaio para o etanol não apresenta resultados confiáveis de RON pois simplesmente os valores de taxa de compressão superam o valor máximo de RON, que é 100. Além disso, o etanol possui elevado calor latente de vaporização e gera a necessidade de elevar o calor fornecido a mistura ar/combustível(etanol), ou seja, aumento de temperatura da mistura acima do normal para o teste RON.

No entanto, embora os valores de IO para o etanol não sejam confiáveis, pode-se obter com mais facilidade e confiabilidade a octanagem gerada é misturas de gasolina com etanol. É a chamada octanagem de mistura, e é realizada comparando os valores de RON e MON obtidos com um mistura de gasolina e etanol com uma gasolina de referência. Misturas de gasolina com etanol na proporção de 5 a 20% podem ter índices RON e MON de 120 a 130 e 98 a 103 respectivamente.

Solubilidade

Tanto o etanol anidro quanto o etanol hidratado utilizam misturas com determinada porcentagem de água. No entanto essa mistura possui um limite com relação ao teor de água, e elas diferem para o tipo de etanol utilizado.

Para o etanol hidratado esse teor de água é maior, pois embora possa haver um teor de água significativo, os motores admitem um certo nível de “contaminação” do etanol com água. A água reforça o poder antidetonante do etanol, mas por outro lado prejudica as emissões de poluentes. Por isso o teor de água no etanol hidratado nacional gira em torno de 7,4%.

No etanol anidro, o teor de água é severamente reduzido, visto que este álcool irá ser misturado a gasolina que já é uma mistura de hidrocarbonetos. Tendo em vista que o teor de etanol anidro na gasolina é de 22%, e que para 10% de etanol anidro misturado a gasolina, devemos ter(na mistura gasolina-álcool) apenas 0,5% de água, esse teor de água na gasolina pode ser prejudicial ao motor se for muito elevado, resultando na separação do combustível e água oxigenada, esta por sua vez se precipita no fundo tanque. A tolerância da gasolina à água depende da temperatura, do teor de compostos aromáticos, parafínicos, teor de água e de etanol no combustível. A partir de determinada temperatura, a mistura fica impura, então a água oxigenada se precipita no fundo do tanque.

Pressão de vapor

Visto que a pressão de vapor em álcoois é baixa, e temperatura de ebulição é alta(ambas em relação a gasolina), temos que para um motor funcionar apenas a etanol hidratado devem ser realizadas algumas modificações para evitar problemas.

Quando falamos de misturas de gasolina e etanol anidro, temos a situação inversa, uma elevação da pressão de vapor no sistema de alimentação e notável diferença na curva de destilação do combustível, devido a diferença de volatilidade entre a gasolina e o etanol.

Essa aumento de pressão de vapor pode causar problemas de tamponamento (vapour lock) nos dutos de alimentação do veículo em motores carburados. Problema este, que não ocorre em motores com injeção eletrônica, pois o sistema de alimentação já trabalha com um pressão acima da pressão de vapor do combustível.

Efeitos no motor

A utilização de etanol, seja misturado na gasolina ou puro, nos motores de combustão interna gerou necessidade de mudanças em diversos aspectos dos motores. Da admissão até o escapamento foram realizadas mudanças que visam adequar motores que originalmente queimavam gasolina.

Primeiramente, os condutos e galerias por onde o combustível passa tiveram de sofrer modificações, pois o etanol atacava a borracha das mangueiras e partes metálicas dos antigos tanques de combustível, que mesmo protegido com eletrodeposição de zinco eram atacados pelo etanol. Atualmente se utiliza mangueiras de PVC para o sistema de alimentação, e tanques feito em material plástico (poliacetal).

Com poder calorífico inferior ao da gasolina, o etanol quando misturado a gasolina, resultou em uma gasolina também com poder calorífico reduzido, portanto houve redução na potência e no torque em cerca de 5% para uma mistura de 25% etanol na gasolina. Mesmo assim para uma mesma potência útil, conseguiu-se obter uma redução no consumo em relação a gasolina pura.

A adição de etanol também dificultou a partida a frio, mesmo estando com gasolina, pois a alta temperatura de vaporização do etanol faz com que o etanol ao passar em alta velocidade pelo coletor se condensar nas paredes do mesmo, pois exigia uma temperatura muito elevada (77 C) para evaporar, enquanto a gasolina evapora em um temperatura levemente maior que a ambiente. Ou seja, o etanol retira calor do coletor de admissão, se condensa e empobrece a mistura. Justificado a partir disto o motivo de coletores aquecidos pelo fluído de arrefecimento ou dispositivos elétricos, e sistema atuais como o tanquinho de gasolina para injeção no coletor de admissão, e pré aquecimento do combustível antes do funcionamento do veículo.Além disso, em dias quentes pode ocorrer a formação de bolhas de vapor (vapour lock) dentro do sistema de alimentação e impedir o funcionamento do motor.

Como o etanol passou a substituir o chumbo tetraetila como agente antidetonante, perdeu-se a o poder lubrificante dado por este, com isso a câmara de combustão passou a queimar uma mistura mais “seca” e as válvulas precisaram de um novo composto. O steelite é um material de alta dureza que passou a ser utilizado nas válvulas e em suas sedes.

Mesmo assim o etanol cumpriu o seu papel antidetonante apresentando resultados como maior taxa de compressão, redução de 7% no consumo de combustível em relação ao mesmo motor com gasolina pura, aumento em 9% na potência, ou seja, o rendimento global do motor aumentou.

Outro fator para o aumento da octanagem da gasolina misturada com etanol, é que o aumento de octanagem proporcionado pelo etanol é maior, quando a octanagem da gasolina é menor, o que para alguns países é vantajoso, visto que existem gasolinas com  número de octano inadequados para os motores atuais.

Por ser, de certa forma, um combustível mais limpo em termos de emissões, a adição de etanol à gasolina reduziu também a poluição de sua queima. Uma gasolina com 20% de etanol anidro emite 61% menos CO.

Referências

  • SENAI, Série Metódica Ocupacional;
  • BOSCH, Robert, Manual de Tecnologia Automotiva. 25.ed. Edgard Blücher LTDA, 2004. 1231p;
  • CHOLLET, H. M., Curso Prático e Profissional para Mecânicos de Automóveis: O motor e seus acessórios, Lausanne, Hemus, 1996. 402;
  • B. HEYWOOD, John, Internal Combustion Engine Fundamentals, United States of America, McGraw-Hill, 1988. 930p.