Preparação para um fim de semana de corrida – As informações da pista

Qual a pista iremos correr ? Tem grandes retas ? Muitas curvas ? Requer um grip mecânico ou aerodinâmico ? Quantas curvas e para qual lados estas são ? Essas são as perguntas que um engenheiro de corrida se faz antes de todo eventos, existem outras, inclusive. Mas o objetivo neste artigo, é explica o que é importante para definir o setup do veículo com relação a pista.

A pista

Quando a equipe técnica analisa os dados de um circuito, o objetivo é encontrar as características deste que influem no setup do veículo, dessa forma é mais fácil montar o carro com uma pré-configuração adequada. O interesse do engenheiro está em saber se essa pista é alta, média ou baixa velocidade, se há sessão de longas retas onde se atinge a velocidade máxima e curvas de alta velocidade. Assim o veículo já poderia ser ajustado para desempenhar com bastante downforce ou com foco no grip mecânico, que é aquele provido pelo funcionamento da suspensão. Além disso, é possível verificar quais as marchas mais utilizadas, se são marchas altas ou marchas intermediárias. Para o time de engenharia, é um dado interessante pois, a fadiga de componentes sobre cargas dinâmicas é acumulativa. Então, se um circuito requer que o veículo utilize mais as três últimas marchas, isso pode ser levado em consideração na manutenção do carro, pois estas serão as mais desgastadas.

A quantidade de curvas, os lados destas e seu percurso também é analisado. A partir desses dados traça-se um panorama geral da pista, se as sessões de curva predominam ou se são pequenos sessões dentro dos setores da pista.  O que esses dados informam é, a porcentagem da distância percorrida em curvas durante uma volta, também há esse dado estratificado para cada lado das curvas.  Assim, é possível dizer se o circuito é dito, travado, onde o veículo, durante uma volta, passa maior parte do percurso contornando curvas. Com os dados para cada lado das curvas, é possível, por exemplo, prever quais pneus sofreram mais durante a prova.

Com relação aos pneus, se existe algo que varia bastante entre autódromo mundo afora, é o tipo do asfalto. Em geral, existem alguns tipos básicos de asfalto, alguns destes são bastante nocivos, ora desgastando-os rapidamente por serem abrasivos demais, ora superaquecendo estes por serem excessivamente pouco abrasivos, de forma que pneu derrapa bastante. Derrapar em excesso, provoca o aumento excessivo da temperatura da banda de rodagem.

Os freios são um dos componentes do veículo que são relacionados ao tipo de circuito. Existem pistas onde o veiculo atinge sua velocidade máxima e tem que reduzir para velocidades em torno de 60 Km/h, pois há um hairpin no fim da reta. Ou o circuito pode ter chicanas muito travadas exigindo demais dos pneus. Além disso, há casos onde a pista localiza-se em países onde o nível deste está acima do nível do mar, colocando o arrefecimento de diversos sistemas do veículo a prova. Com os freios não é diferente, ainda mais que este sistema, quando superaquece, facilmente exibe o conhecido fading.

Exemplo: Bathurst, Mount Panorama, Austrália

Circuito de Bathurst, Mount Panorama.
Foto: Curso Segers – Motosport Engineering Seminar.

Para compreender as atividades de uma equipe de corridas com relação a pista, nada melhor do que exemplos desta. Começando conhecido circuito de Bathurst, na Austrália, onde ocorrem diversas corridas de carros de turismo. A priori, levanta-se os dados do circuito e o histórico de corridas anteriores neste.

  • Distância percorrida em uma volta: 6.213 m;
  • Elevação: 870 m;
  • Distância percorrida até o setor 1: 0 m;
  • Distância percorrida até o setor 2: 2.560 m;
  • Distância percorrida até o setor 3: 3.950 m;
  • Orientação da pista: Mão esquerda;
  • Posição de largada do pole-position: Lado esquerdo;
  • Localização do Beacon: Lado do piloto;
  • Localização do macaco: Lado do piloto;
  • Localização do reabastecimento: Lado do piloto.

Com essas informações iniciais pode se dizer que, Bathurst é uma pista, possui mais de 6 Km de extensão. Além disso, possui uma elevação 870 m. Então trata-se de uma circuito no qual o veículo vai lidar com as dificuldades de subida e descida de uma colina, ou seja, grande variações de carga vertical sobre as rodas. O acerto de suspensão desse carro deve levar em consideração a altitude. Os setores da pista são longos, da distância de alguns circuitos inteiros, inclusive.

A posição de largada, embora seja um dado obtido no histórico de corridas no circuito, pode varia de um evento para o outro. De qualquer forma, com esta informação, a equipe pode prever as condições de largada. Se um veículo larga do limpo da pista, ou seja, no lado do traçado que os pilotos passam, pegará uma pista mais emborrachada em com melhores condições de arrancada. Por outro lado, se o carro vai largar do lado sujo, o piloto terá que arcar com o baixo grip por estar em uma zona, não apenas pouco emborrachada, mais suja de poeira e lascas de borracha proveniente dos pneus.

A localização do Beacon (dispositivo de rastreamento do veículo), macaco e tanque e bocal de reabastecimento é definida por regulamento, então é mais um exemplo de dado que pode variar com o tipo de categoria. Entretanto, são informações que também dependem da estrutura do paddock, sendo então uma informação de cunho histórico. Assim, pode-se definir o melhor posicionamento de ferramentas e demais equipamentos necessário para realização dos pit-stops e demais atendimento ao veículo. É importante salientar que, neste exemplo, o lado do piloto é o lado esquerdo do veículo visto por trás. Embora os veículos na Austrália apresentem voltante na dita, “mão inglesa”, a categoria neste exemplo utiliza carro com volante do lado esquerdo.

Com relação ao histórico de dados de corridas anteriores no circuitos de Bathurst, pode ser dado como exemplo as seguintes informações:

  • Expectativa de volta em tempo seco: 2’05” ;
  • Tempo de volta para transição de pneus molhados para pneus de pista seca: 2’21″300 (tempo calculado);
  • Tempo perdido no pitlane: 35 s + (duração do pitstop);
  • Tempo perdido em uma passagem pelo box (drivethrough): 33,7 s;
  • Tempo gasto do início do pit até o último box: 31 s;

Os dados de tempo de volta e demais ocorrências não pista são importantes do ponto de vista estratégico. A expectativa de volta serve como base de quanto tempo o veículo deve percorrer em uma volta em regime de corrida. O tempo de transição, é um calculo realizado para determinar em que momento o piloto deve, em condições de chuva, mas com a pista secando, trocar de pneus de pista molhada para pneus de pista seca. Isso evita que o piloto corra desnecessariamente com pneus de chuva perdendo tempo.

Os tempos relacionados ao pit, servem para incluir nos cálculos dos engenheiros o tempo estimado que o piloto perde em uma parada de box, eventual passagem pelos boxes devido a alguma punição. Esses dados são utilizados para os times definirem suas estratégias de parada de box.

Dentro dos dados históricos podemos verificar as informações de exigência do motor:

  • Velocidade média: 191 Km/h;
  • Velocidade máxima: 282 Km/h
  • Porcentagem da volta em condição aceleração total (WOT – Wide open throttle): 68 – 71%;
  • Porcentagem da posição média da borboleta de aceleração: 72 – 74%;
  • Porcentagem de frenagem em uma volta: 21 – 24%;

Velocidade média, máxima e a exigência do motor são dados que podem ser levantados facilmente pelo sistema de gerenciamento do veículo. Estes mostram o quanto e como o veículo exigido. No exemplo de Bathurst, percebe-se, mesmo sem visualizar o mapa da pista, que se trata de um circuito de alta velocidade. A velocidade média de 191 Km/h, pelo menos para carros de turismo e gran turismo, é considerada alta. Como complemento, é possível comparar os dados de tempo de volta ou distância percorrida em 1 volta, com as informações do sistema de injeção eletrônica, mais precisamente o TPS (Throttle Position Sensor). Com um porcentagem de varia entre 68 e 71% da volta com o TPS indicando condição 100% aberta e de 21 a 24% de freios acionados em 1 volta, confirma o que já se suspeitava, trata-se de uma pista de alta velocidade. Dessa forma, a partir deste histórico, ajusta-se o veículo para a devida condição.

É possível resgatar os dados de consumo de combustível das provas anteriores, sendo uma estimativa real do que poderá ser o consumo de combustível da etapa em questão. Os dados de consumo de combustível são um dos mais importantes a serem coletados antes do veículo ir para pista.

  • Consumo em 1 volta em ritmo de corrida: 3,50 L/volta;
  • Consumo em volta de deslocamento do veículo do pit até o grid de largada: 1,82 L/volta;
  • Consumo na volta de apresentação: 3,36 L/volta;
  • Consumo na volta de entrada do veículo no pit: 3,45 L/volta;
  • Consumo na volta de saída do veículo no pit: 3,45 L/volta;
  • Consumo em uma volta sobre carro de segurança (safety car): 2,55 L/volta.

Os dados de consumo de combustível, em se tratando de uma corrida com mais de 1h de duração, provavelmente são os mais importantes para o engenheiro no pré-corrida. Com estes em mãos é possível calcular a quantidade de combustível para a corrida, que de acordo com o regulamento, pode ser o combustível abastecido nos treinos classificatórios. Assim, é importante verificar todos os dados acima, e levar em consideração o histórico de acontecimentos das etapas anteriores. Por exemplo, se foi uma prova sem grande interrupções ou constantemente interrompida por bandeiras amarelas.

Em termos de comparação, uma corrida de Fórmula Indy em circuitos mistos, o engenheiro realizará um calculo estimativo levando em conta a quantidade de paradas, e o consumo de combustível nas voltas antecedem e sucedem estas, mas com menos entradas do carro de segurança. Por outro lado, quando as corridas ocorrem em circuitos ovais, esse cálculo inclui uma maior interrupção do carro de segurança, pois o histórico dessas corridas mostra que interrupções por acidentes são recorrentes.

Assimetria da pista

Exceto por alguns poucos circuitos ovais, os circuitos de corridas de carros são assimétricos, ou seja, não há uma igualdade de curvas para o lado esquerdo e para o lado direito. Tão pouco raio ou comprimento dessas curvas. Então, é absolutamente normal que o carro se comporte bem em algumas curvas ou setores da pista, enquanto em outras curvas, não seja tão rápido. Essa situação pode ser amenizada com o acerto adequado do carro, por isso é importante levar em consideração os seguintes dados do circuito:

Bathurst

  • Número de curvas a esquerda: 12 – Curvas 1, 3, 4, 8, 9, 10, 12, 14, 16, 18, 21, 23;
  • Número de curvas a direita: 9 – Curvas, 2, 5, 6, 11, 13, 15, 17, 20, 22;
  • Distância percorrida em todas as curvas: 2.255 m;
  • Distância percorrida nas curvas a esquerda: 1.375 m;
  • Distância percorrida nas curvas a direita: 880 m.

Podemos utilizar os dados acima em conjunto com um gráfico bastante, o gráfico de força G do veículo:

Gráfico de força G.
Foto: Curso Segers.

Neste gráfico podemos visualizar a aceleração do veículo. As informações no gráfico são adimensionais, pois estão em função da aceleração da gravidade, g = 9,81 m/s². As notações Q1, Q2, Q3 e Q4 significam os quatro cantos do veículo, no caso, os quatro pneus. Enquanto a notação LH e RH, significam os lados, Lh é left hand ou lado esquerdo em inglês e Rh, right hand ou lado direito em português. Quando o veículo faz uma curva para esquerda ocorre transferência de carga para a direita, analogamente ocorre transferência de carga para esquerda quando a curva é a direita. Portanto, este gráfico pode entregar as seguintes informações:

  • Tempo em Q1: 41,5%;
  • Tempo em Q2: 28,2%;
  • Tempo em Q3: 19,7%;
  • Tempo em Q4: 10,7%.

O veículo passa 41,5% do seu tempo de volta contornando curvas a esquerda e 28,2% em curvas a direita. Além disso, podemos visualizar que 19,7% do tempo de volta é em freadas de aproximações para curvas a esquerda e 10,7% para freadas de aproximação para curvas a direita. Assim pode-se determinar quais pneus estão sob maior carga e por quanto tempo. Pode-se então determinar o tempo no qual estão submetidos a carga e determinar a % de requisões em cima destes pneus e relacionar estas infos com as curvas contornadas pelo veículo. Obviamente, também podemos entender
que pressões de pneus utilizaremos. Por fim, é possível determinar e prever os efeitos do setup realizado.

Tempos de seção (Section times)

Pista de Bathurst dividida em setores.
Foto: Curso Segers.

Todo circuito é dividido em seções, também chamados de setores. Estes são divisórias feitas na pista que compreendem uma determinada distância percorrida. O objetivo é ter outras métricas além do tempo total de volta, que mesmo sendo o fator determinante para decidir qual carro largará da pole position, existem muitas informações que podemos extrair pegando somente o tempo dos setores de uma pista.

Podemos ver o que será necessário do veículo em cada setor da pista. Por exemplo, será que uma sessão vai exigir do veículo suas capacidade de manobrabilidade ou de força motriz ? Também é possível estabelecer comparações com os carros adversários e entender qual carro é mais interessante para disputar a corrida.

Referências

  • Curso Motorsport Engineering, Data acquistion and tire specialization seminar.