Histórico do uso de asas em carros de corrida

O estudo das asas, que abordaremos de uma maneira superficial, não é direcionado apenas a aqueles que projetam carros de corrida, queremos contribuir para a formação de pilotos de corrida. De fato, os jovens pilotos devem possuir uma boa noção dos apêndices aerodinâmicos e familiaridade com os termos técnicos envolvidos para encontrarem junto a sua equipe uma disposição de ajustes ótimos para seu estilo de pilotagem. Todos ajustes e projeto que visam ganho de carga aerodinâmica estão sob influências de regulamentos e restrições, que são necessários para evitar absurdos, então vamos discutir como podemos trabalhar nos nossos horizontes de performance.

Em um veículo monoposto, podemos possuir cerca de 30% da área frontal convertida a perfis aerodinâmicos, podendo ser responsáveis pela geração de até mesmo toda a carga aerodinâmica (downforce). Ao mesmo passo que mudanças nos perfis podem alcançar mudanças de 3 a 5% na velocidade final, gerando uma quebra nos tempos de volta.

Simplificando, atualmente possuímos veículos que são concebidos sob as necessidades e características aerodinâmicas. A redução do arrasto, que por muitos anos foi unicamente o estudo dirigido a essa área envolvendo veículos com contornos lineares e fluidos geraram frutos como a Ferrari 330 P4. Mas não só a isso se prende o arrasto, existem consequências associadas a downforce e efeitos de velocidade, mais precisamente associados ao quadrado da velocidade.

Imagem: https://www.ferrari.com/en-BN/auto/330-p4
Foto: https://www.ferrari.com/en-BN/auto/330-p4

Como foi escrito por Shapiro (1961), “um perfil é dito aerodinâmico se não promove geração da separação da camada limite” e essa é a verdade para o arrasto e downforce. Como iremos ver de forma aprofundada, a separação da camada limite da superfície de um corpo que percorre uma trajetória na atmosfera, ou está submetido a um fluxo de ar nos casos dos tuneis de vento, leva a turbulência e isso aumenta o arrasto (= mais lento) ou promove queda de downforce. Como nada na vida vem de graça, enquanto as asas geram carga elas também criam arrasto, esse arrasto geralmente é bem menor que a carga. Certamente uma melhora no arrasto de um veículo tende a levar a uma economia de combustível/energia, então devemos ter cuidado com essa dinâmica também.

Inserindo um contexto histórico relevante para nossa base de discussão, podemos observar as mudanças na década de 60 que existiram na Fórmula 1. As larguras de pneu começaram a crescer rapidamente até o ponto de chegarem a serem limitadas por regulamento, em adicional, o desenvolvimento reduziu a massa dos veículos e relação peso/potência, além da mudança de 1500 cm³ para 3000 cm³ no deslocamento do motor em 1966. O ganho da aderência já estava sendo explorado, em princípio com redução de massa e alteração da aderência mecânica. Arquitetura básica do deslocamento do centro de massa foi utilizada começando a atingir 50/50 na distribuição de massa utilizando motores traseiros e cockpit deslocado para o eixo dianteiro, bem mais equilibrados em relação aos 60/40 utilizados anteriormente com motores dianteiros e tração traseira, acentuando os benefícios de distribuição de cargas nos pneus.

Essa é uma visão geral dos anos 60, entretanto, quando a fronteira de compostos de pneu mais aderentes foi ultrapassada, combinado com o ganho de potência mencionado, o equilíbrio de forças não era suficiente para transformar toda a potência em propulsão. A solução válida no momento era a propulsão das quatro rodas, mas a complexidade de variáveis direcionais com aplicação do torque nas rodas dianteiras e traseiras ao mesmo tempo que controles eletrônicos não eram conhecidos tornava tudo mais difícil. Um fabricante especializado, Ferguson, chegou a desenvolver em laboratório um monoposto F1 da B.R.M. Com esse conceito crescendo e a chegada dos motores 3 litros e 400 cavalos em 1967 parecia um destino certo, tração 4×4 em relações inferiores a 1,5 kg/hp. A  evolução entretanto, partiu para a aerodinâmica, iniciada pela McLaren em seu modelo 1968 e seguida pela Lotus que chegou a transferir seu conhecimento a Indianápolis, onde ouve um interesse da Cosworth de fazer um mix em um 4WD aero.

Foto:https://www.mclaren.com/racing/heritage/cars/1968-Formula-1-McLaren-M7A/
Foto:https://www.mclaren.com/racing/2017/belgian-grand-prix/bruce-mclaren-spa-2173956/

Ainda nessa época, a solução estava logo na prateleira ao lado, os perfis de asa, o único componente aerodinâmico que poderia gerar a downforce a custo reduzido e aumentar a aderência artificialmente. A ideia veio de um engenheiro e piloto estadunidense, Jim Hall, um construtor do Texas sob a garagem Chaparral Sports Car, que sofreu com problemas com baixa carga para aderência em seu primeiro veículo de monocoque e carenagem plásticas, imediatamente vitorioso em 1964 em provas norte americanas como nas 12 horas de Sebring em 1965, Flórida. Ainda que tenha abandonado os plásticos, no sucessor, Chaparral 2C, o Sr. Hall inovou com uma grande asa traseira montada sobre o eixo posterior do carro. Essa ideia fez nascer o conceito de projeto do carro de corrida moderno.

Foto:http://www.john-w.de/models/canam/cchap2.htm

Historicamente existem exemplos anteriores de utilização de aerofólios, nas categorias de recorde de velocidade em terra (Land Speed Record – SLR) para ganhos de estabilidade, até mesmo gerando sustentação para redução da resistência a rolagem, como no Opel 1928 movido a jato, ou como freios aerodinâmicos na Mercedes 300 SLR de 1955. Michael May, suíço, ainda deu sua contribuição junto a Porsche, em 1956, entretanto, sua asa central foi banida em Monza e Nürburgring, dessa vez, realmente, seria montada com propósito de gerar downforce, mas os comissários de prova decidiram pela ilegalidade e de quebra deram uma contribuição para a fama do Chaparral e seu reconhecimento como o primeiro a aplicar tal conceito.

Fotos:https://drivemag.com/red-calipers/90-years-ago-opel-built-and-raced-a-rocket-car

 

Foto:http://claspgarage.blogspot.com/2013/04/1955-mercedes-benz-300slr-air-brakes.html
Imagem:http://www.sportscars.tv/Newfiles/300SLR%20LM.html

O modelo 2D Chaparral foi dominante em Le Mans, Monza e vitorioso em Nürburgring, apresentando inclusive um mecanismo de variação de ângulo de ataque para reduzir o arrasto aerodinâmico nos trechos de alta velocidade do circuito e ganhar downforce em trechos de curva. Uma obra de arte alada de 420 cavalos.

Foto:https://www.slotforum.com/forums/index.php?showtopic=148762

Em 1968, um passo a mais foi dado pelo cavallino rampante. Até o momento, asas e winglets foram utilizados apenas como desviadores de fluxo ou com leves correções nos aerofólios. Isso acabou em meados dessa temporada da Fórmula 1, no Grande Prêmio da Bélgica, em uma Ferrari modelo V12 3000, que imediatamente roubou a liderança.

Como conhecemos, a Fórmula 1 é a categoria com a melhor concentração de talentos técnicos, que entraram em uma frenética corrida de desenvolvimento aerodinâmico. É importante citar a estratégia da Lotus nesse processo adotando conexão das asas nos cubos de rodas, deixando a carga próxima ao pneu sem passar por mais componentes elásticos. A Brabham ainda incluiu um segundo perfil de asa no eixo dianteiro no intuito de compensar adequadamente o efeito de arfagem (squat), com um controle ligado a suspensão para alteração e controle reativo do ângulo de ataque.

Alguns acidentes no Grande Prêmio da Espanha, em 1969, geraram uma intervenção mais severa junto a Federação Internacional, com o expurgo de asas do regulamento pela Comissão Esportiva Internacional (Comission Sportive Internationale – C.S.I) antes do evento de Mônaco e gerando depois na no GP da Alemanha um regulamento detalhado, com dimensões de 1.1 ou 1.5 m respectivamente para asa traseira e dianteira e uma altura máxima de 0,8 m do solo.

Foto: http://atlasf1.autosport.com/2000/spn/preview/jones.html
Foto:https://i.pinimg.com/originals/e7/93/8f/e7938f6ef3d366521fb02bab6be235fa.jpg

 

Em 1977 com a introdução dos carros-asa, para uso do efeito solo, outro passo foi dado, um passo bastante interessante e que levava pilotos de monopostos a realizarem curvas com 3 gravidades de aceleração lateral. Bastante disruptivo para a época. As soluções foram evoluindo, partindo para adoção de difusores atingindo cargas aerodinâmicas satisfatórias com baixo arrasto, sendo adotados largamente atualmente.

Foto:https://formulatotal.wordpress.com/2010/05/22/carro-asa-o-extremo-da-aerodinamica-na-f1/

Trocando em miúdos, um veículo com uso aerodinâmico é também um veículo mais seguro. A performance foi afetada tão drasticamente que podemos classificar os carros de corrida pela idade com o uso ou não desses recursos. Formando a base do desenvolvimento e pilotagem.

Se fomos capazes de chegar até aqui, o quê podemos esperar do futuro? É certo que as experiencias atualmente em exercício irão gerar a base dos veículos, explorando ainda campos ainda não descobertos e recursos desconhecidos. Tudo isso baseado em princípios e teoria das seções de asa.

Referências bibliográficas

  • SHAPIRO, Ascher H. Shape and Flow: The Fluid Dynamics of Drag. 1. ed. atual. Londres: Anchor Books, [1961]. 186 p. ASIN B0006AX70E.