Preparação do piloto para um fim de semana de corrida: Análise do controle do acelerador e do freio
Pilotos de corridas devem se preocupar apenas na pilotagem do veículo. Parece fácil, mas isso envolve um nível de comprometimento e foco que torna uma simples função, que é guiar o carro, em uma atividade complexa. Carros de corrida são complexos, pois nunca se comportam da mesma forma, as condições do ambiente também influem e tornam toda a situação ainda mais complicada.
Assim, os pilotos de corrida precisam de tanta informação quanto os engenheiros responsáveis pelo comportamento do carro na pista. Além de reportarem o comportamento do veículo, os pilotos devem entender os dados fornecidos pelos sistemas de gerenciamento do veículo. Dessa forma, os engenheiros podem conversar com os pilotos com uma abordagem de fácil entendimento para estes.
Entretanto, para que isso possa acontecer, o time deve ter armazenado em seu banco de dados a informações dos eventos anteriores na pista em questão. É possível então, relembrar do acontecimentos do evento anterior a níveis de comportamento do veículo, erros do piloto, acerto do veículo e assim poder estabelecer uma pré-configuração do carro com melhorias em relação a etapa anterior.
O piloto
Antes de trabalhar qualquer informação acerca da corrida com o piloto, uma coisa deve ser compreendida antes. O piloto é humano, e diferente do carro, que é uma máquina, não possui manual de instruções. Em outras palavras, a boa relação entre piloto e engenheiro deve-se a diversos fatores, mas é importante estabelecer uma comunicação clara e objetiva. Além disso, existe um limite a crítica que é difícil de se determinar, pilotos podem ser mais ou menos tolerantes a críticas.
Muitas vezes, críticas ao estilo de pilotagem, mesmo bem fundamentadas podem resultar em pequenos conflitos, que podem até benéficos. Contudo, há também a pior das situações, quando a crítica acaba baixando a confiança do piloto nele mesmo. Evita-se essa situação ao máximo.
Uma forma de contornar essa situação, é encorajar os pilotos a estudar assuntos como, dinâmica veicular, análise de dados, funcionamento do automóvel e o softwares de análise de dados. Para então, deixar que os pilotos entendam em quais pontos estão errando. Isso é importante, pois os pilotos tem boa recordação do que fazem na pista, e uma vez que dados que transcrevem suas atividades na pista seja apresentados, estes devem fazer sentido para o piloto.
Portanto, o trabalho do engenheiro de corridas com o piloto depende muito da empatia e sensibilidade do engenheiro no trato com o piloto. Da parte deste, resta estudar o automóvel e os softwares utilizados.
Histórico
O primeiro a se fazer é levantar o histórico de informações a cerca do evento anterior na mesma pista. A partir deste é possível fazer seguintes questionamentos:
- Quais os acertos e o erros no evento anterior ?
- Qual o setup utilizado no evento anterior ?
- Qual a pressão utilizada nos pneus ?
- Qual a estratégia utilizada?
- Qual histórico climático do evento?
O histórico de dados são as milhares de informações coletados no evento anterior, com por exemplo
- Pressão de acionamento dos freios dianteiros;
- Velocidade do motor (RPM);
- Velocidade do veículo;
- Posição da borboleta de aceleração (TPS).
A partir desse gráfico, podemos avaliar a forma como o piloto acelera, freia e troca de marchas. Embora não pareça, o gráfico acima pode demonstrar situações corriqueiras para um carro de corrida, como a ocorrência de subesterço e sobresterço, por exemplo. Dessa forma é possível sentar e discutir com o piloto sobre problemas durante a condução do veículo em cada ponto da pista.
Controle de aceleração
A função do acelerador é, obviamente, acelerar o veículo. Entretanto, o que acontece quando pisamos no acelerador, é a abertura do coletor de admissão através de uma válvula estranguladora. Não é coincidência que em inglês, a borboleta de aceleração seja conhecida com “throttle” ou garganta.
Ao comandar o acelerador para aceleração total, o que ocorre é abertura total da borboleta, e assim uma grande carga de ar entra no motor. De forma análoga, ao desacelerar, a borboleta fecha, restringindo a passagem ar ao mínimo possível.
Embora simples, o ato de acelerar pode ser realizado de diferentes formas, bastando que o piloto pise no acelerador muito ou pouco e/ou de uma forma brusca ou suave, que no caso seria a velocidade com que se acelera. Esse jeito de acionar o acelerador provoca diferentes reações no veículo, essa reações perturbam o equilíbrio do carro, uma vez que, quando se acelera, parte da carga sobre as rodas é transferida para trás.
Histograma de aceleração
Além dos gráficos de linha, o controle de aceleração pode ser avaliado também por histogramas, no caso o histograma de aceleração (throttle histogram).
No eixo das ordenadas vemos a variável “ath”, que é o percentual de abertura da borboleta, enquanto no eixo das abcissas está o percentual do tempo de volta. Em termos gerais, quanto maior o percentual do tempo de volta em 100% (WOT – Wide open throttle), menor será o tempo de volta. Contudo, não há uma relação direta e caso o aumento percentual do tempo de volta em WOT não resulta em uma redução do tempo de volta, significa que pode haver outros problemas no acerto do veículo, como balanceamento de freios inadequado, ajusta de asa demasiado alto ou problemas no motor.
Curiosamente, o outro valor extremo do histograma, é o percentual do tempo de volta com borboleta fechada (ou entreaberta). Esse percentual deve ser o percentual do tempo de volta em frenagens, por isso a borboleta encontra-se fechada.
Segundo Segers (2008), deve-se utilizar os dados do histograma com cautela, a fim de evitar que o piloto ganhe confiança em excesso, de forma a negociar erroneamente com as curvas, sempre querendo acelerar antes do momento certo. Contudo, o histograma é um gráfico claro e fácil de entender e que deve ser utilizado na abordagem com o piloto, além disso é capaz de identificar os pontos no qual houve melhorias no acerto do veículo e no piloto.
Gráfico de linha
O gráfico de linhas é um outra forma de avaliar o desempenho do piloto, seja durante um treino livre, classificatório ou até mesmo o evento anterior. Neste gráfico é possível inclui diversos parâmetros e extrair conclusões interessante a cerca do carro e do piloto. Uma dessas é o que chamamos de, assertividade do piloto.
Um dos conhecimentos básicos acerca da pilotagem de um automóvel é, que dentro de uma curva, o ponto no qual aplica-se 100% do acelerador ocorre brevemente depois do veículo ter alcançado o pico de aceleração lateral. Assim, configura-se o gráfico de linhas para mostrar os seguintes parâmetros:
- Posição da borboleta de aceleração;
- Aceleração lateral ou força G lateral;
- Velocidade das rodas dianteira.
A foto acima é de um registro de um carro da categoria Gran Turismo realizando uma volta no circuito de Interlagos. No ponto onde o piloto atinge a menor velocidade na curva, cerca de 71 Km/h, o piloto experiencia a maior aceleração dentro da curva, – 1,29 G. É possível perceber que o acelerador está levemente carregado, 41,00% de abertura da borboleta.
Na saída da curva, quando o piloto pisa totalmente no acelerador (99,50%), a aceleração lateral reduziu para cerca de 1,00 G. Dessa forma, pode utilizar a seguinte equação:
(ALs / ALe) ⋅ 100%
Assim, podemos ver que:
(1,00G / 1,29G) ⋅ 100% = 77,52%
O piloto tem uma assertividade de mais de 77%. Essa dado pode representar, tanto um carro bem equilibrado, como um piloto bem treinado, pois é possível notar que não tanta perturbação no sinal do percentual de abertura da borboleta. A oscilação é pequena. Também pode ser levado em consideração o fato de que essa curva é sucedida de uma segunda, como podemos observar no gráfico, pois há uma nova redução.
Além disso, essa equação pode ser utilizada para comparar pilotos e até mesmo, as curvas de um circuito. Por exemplo, se compararmos a forma como um piloto contorna a mesma curva em voltas diferentes e for perceptível que, a distância entre o ponto de aceleração lateral máxima e o ponto no qual o percentual de abertura da borboleta for total variar, então podemos ver que há uma certa cautela do piloto na re-aceleração. Isso pode significar algum acerto do veículo inadequado com a pista. Mesmo assim, essa informação não pode ser levada em consideração sozinha, deve-se verificar os outros canais do sistema de gerenciamento do veículo.
Em geral, quando essa distância aumenta, significa que o veículo está apresentando um comportamento sobresterçante, e o piloto ainda está corrigindo a trajetória do carro, para finalmente acelera-lo totalmente. Quando a distância reduz, ou seja, quando o piloto acelera 100% muito cedo, a consequência pode ser uma súbita saída de traseira. Nesse caso, pode-se utilizar os canais de ângulo de giro da direção para confirmar, além de que, nessa situação, a diferença entre o pico de força G e a força quando em WOT tornar-se maior.
Suavidade na aceleração
Outra informação interessante referente a técnica de aceleração, e que pode ser vista através do gráfico de linha temporal ou de distância, é a suavidade com que o piloto opera o acelerador. Sabe-se que, operações súbitas em um veículo, na grande maioria dos casos, mais perturba seu comportamento ao invés de obter respostas rápidas destes.
Em carros de corrida a situação é ainda mais crítica, pois os pilotos está andando sempre no limite de aderência dos pneus. Entradas abruptas no volante, acelerador e/ou freio pode levar a consequências desastrosas. Para verificar a suavidade no acelerador, utiliza-se um canal chamado Throttle Speed, ou velocidade de acionamento do acelerador.
Na realidade esse canal é, basicamente, a derivada temporal da informação percentual de abertura da borboleta de aceleração (%). Dessa forma, unidade deste parâmetro é dada em (%/s).
Frenagem
Há quem diga que, frear é a técnica mais difícil da pilotagem. Certo ou errado, frear não é uma técnica simples, mas como ocorre com técnica de aceleração, os freios devem ser acionados com determinada suavidade. O que torna a técnica de frenagem tão complicada, é o fato do grip dos pneus se comportar de forma transiente, e dependendo da situação, isso pode levar facilmente a um travamento das rodas.
Naturalmente, pilotos de corrida sabem lidar com esse tipo de situação, porém em alguns momentos é comum identificar erros de pilotagem ou de acerto do veículo. Assim como feito com dados de aceleração, é possível visualizar o procedimento do piloto na aproximação de uma curva e no seu contorno. Segers (2008) diz que a análise dos gráficos de frenagem incluem as seguintes informações:
- Ponto de frenagem e a consistência deste;
- Distância total de frenagem e consistência desta;
- Tempo de reação do piloto;
- Rapidez com que se atinge o pico de desaceleração;
- A força com que o piloto está acionando o pedal de freio;
- Modulação da pressão de freio;
- Variação da pressão de freio enquanto o punta-taco é executado.
A consistência é o quanto o piloto consegue realizar voltas e mais voltas na pista com o mínimo de variação. Dessa forma, a consistência na frenagem é verificada no gráfico de linha com as variáveis, distância percorrida e pressão de freios. Verifica-se o ponto no qual a frenagem ocorre, até o ponto no qual o piloto deixa de pisar no pedal, sendo esse portanto, a distância total de frenagem. Um piloto consistente consegue realizar sucessivas frenagens sempre no acionando o pedal de freio no mesmo ponto e aliviando-o totalmente no mesmo local.
No exemplo acima é possível ver todo o procedimento para contornar uma curva de média velocidade, a distância total de frenagem é de 177,165 m em um período de tempo de 3,760 s. O carro aproxima-se da curva a 214 km/h e sai da mesma a 134 km/h, um delta de 79 km/h.
Agora configuramos uma nova zona hachurada, neste caso compreendendo o início da frenagem até o pico de pressão. Podemos avaliar o quão rápido o piloto consegue alcançar o pico de pressão dos freios, que são obtidos em apenas 12,316 m e um delta de tempo de 0,20 s. Outro fato interessante é, que não conseguimos identificar o tempo de reação do piloto, pois quando os freios foram acionados, o acelerador passou um breve período também acionado. Ou seja, o piloto iniciou a frenagem ainda enquanto acelerava, mesmo que por um breve período. Isso significa que, como o veículo em questão, um carro da categoria gran turismo, possui cambio automatizado, não é necessário o acionamento da embreagem para troca de marchas. Portanto, o piloto pode acelerar com o pé direito e frear com o pé esquerdo, permitindo que seu tempo de reação seja praticamente, imediato.
O gráfico acima indica uma nova zona hachurada, que se inicia após o pico de pressão nos freios dianteiros e se estende até o ponto no qual os freios são liberados. Aqui, é possível visualizar a modulação dos freios devido a variação do grip dos pneus, bem como a modulação durante o punta-taco. Após o ponto de pressão máxima, a pressão cai de forma quase linear, o que o piloto está fazendo é adaptando a força de frenagem a variação do atrito dos pneus com a pista. É necessário que isso seja feito, pois mesmo que o veículo não carregue asas e possua um intensa carga aerodinâmica, há uma determinada carga aerodinâmica sobre a carroceria, além disso, o carro do exemplo aproxima-se da curva a 214 km/h.
Outro motivo pelo qual deve-se avaliar junto ao piloto a modulação do pedal do freio, é o quanto ele consegue modular enquanto executa o punto-taco. Na gráfico acima, percebe-se que após a pressão máxima, a pressão cai de forma quase linear. Porém, quando piloto executa o punta-taco a curva muda levemente de inclinação. A mudança é sutil e combinada com a informação de abertura da borboleta, descobre-se que esta abre cerca de 55%, por um breve período de tempo, confirmando que é o punta-taco. É possível afirmar também, que o piloto utiliza o pé esquerdo para frear, restando ao pé direito relaxar, e executar o punta-taco, que neste caso foi somente uma vez. Provavelmente, se o punta-taco fosse executado com o pé direito, a inclinação da curva e tempo no qual o piloto levaria para executar esses movimentos seriam maiores.
Portanto, os gráficos acima ilustram que o controle de frenagem é uma forma de aliviar a pertubação do chassi em uma condição crítica, que é a frenagem para aproximação de uma curva. Todos os pontos analisados acima, como ponto de frenagem, distância de frenagem, pressão máxima atingida e a modulação desta, são fatores que influenciam diretamente na taxa de transferência de carga longitudinal e lateral. Consequentemente, isto determina a atitude do veículo ao receber os comandos do piloto. Em geral, comandos bruscos podem até permitir um grip satisfatório no ato da frenagem, porém é momentâneo. Por isso a modulação dos pedais é tão importante.
Conclusão
Acelerar e frear são umas das técnicas mais difíceis da pilotagem de um automóvel de competição, requer muita prática e sensibilidade do piloto para executar esses comandos de forma rápida, porém sem transmitir reações bruscas para o carro. O objetivo, é fazer com que o veículo obedeça aos seus comandos com o mínimo de perturbação ao balanço do chassi.
A aquisição e análise de dados é uma forma do engenheiro de competição reportar-se ao piloto com dados reais da situação ocorrida na pista, sendo possível discuti-las e tomar as melhores decisões acerca do comportamento do veículo, sempre visando a redução dos tempos de volta.
Referências
- Segers. J. Analisys Tequiniques for Racecar Data Acquisition, 1° Edição. Warrendale, PA. SAE International. 2008.
Software utilizado
- Cosworth Pi Toolbox.
Foto de capa
- Crédito: https://www.lifewire.com/electronic-throttle-controls-534809