Materiais utilizados nos sistemas de freios a disco e a tambor automobilísticos

Seja nos automóveis, como em quaisquer outras máquinas, os freios são dispositivos que se valem do atrito para operar. A definição do material utilizado nos componentes dos freios tem grande importância. Basicamente os materiais dos componentes de força dos sistemas de freios devem atender a alguns requisitos básicos, devido a necessidade deste produzir uma alta força de frenagem nas mais adversas condições, principalmente nas aplicações prolongadas. Estas requerem material de atrito com alto coeficiente de atrito e que este seja estável em relação a velocidade de deslizamento (velocidade relativa) [1]. Além disso, um alto coeficiente de atrito entre os componentes dos freios, resulta em uma baixa força de acionamento deste para obter a força de frenagem necessária. Entretanto o maior problema em relação aos sistemas de freios é o seu comportamento na prática, pois o coeficiente de atrito varia constantemente [1] e as altas temperaturas atingidas exercem grande influência nas propriedades mecânicas destes componentes. Segundo Iombriler [1], quando uma pastilha de freio ou uma lona atinge uma temperatura muito elevada, processos físico-químicos, estruturais, mudança de fase e desgaste. O problema disso tudo é a drástica influência destes fatores na distribuição de pressão dos estatores quando acoplados ao rotor. O conhecimento acerca do material de atrito dos estatores (pastilhas e lonas) é, de certa forma, restrito. Além disso a literatura técnica da área parece escassa propositalmente, uma vez que a composição dos materiais de atrito é segredo estratégico das indústrias de auto-peças voltadas a freios. Entretanto é consenso o uso de materiais de livres de amianto, no caso o NAO (non asbestos organic)  e o Low Met. Entre estes existem algumas diferenças, o NAO tende a ser mais silencioso, devido ao coeficiente de atrito levemente mais baixo que o Low Met. Além disso estatores fabricados em NAO não suportam tão elevadas temperatura. Esses são motivos pelos quais o NAO é considerado um material de atrito mais voltado ao conforto, enquanto que o Low Met é tem um desempenho melhor em termos de força de frenagem.  Esses materiais são aplicados largamente, mas o Low Met é mais usado na Europa e América do Sul e o NAO mais usado nos EUA e no Japão.

Requisitos

Dessa forma, o material adequado para um sistema de freios funcionar de forma a atender os requisitos de segurança exigidos pelas normas automotivas e aeronáuticas, deve ter as seguintes características:

  • Alta capacidade térmica;
  • Resistência ao desgaste;
  • Resistência mecânica;
  • Resistência à fadiga;
  • Conformabilidade;
  • Capacidade de amortecimento de vibrações e ruídos;
  • Baixo peso.

Alta capacidade térmica

Um automóvel básico possui cerca de 1.000 kg de massa, mas mesmo sendo considerado leve, adquire uma enorme quantidade de energia ao trafegar a modestos 60 km/h. O sistema de freios funcionam convertendo essa energia cinética em energia calorífica. Além da grande quantidade de energia absorvida pelos freios, este deve lidar com isso sem perda de eficiência, ocorrência de danos e, se necessário, por períodos prolongados. Essa energia adquirida deve ser liberada através da transferência de calor com o fluxo de ar em volta. Então, em cada ciclo de frenagem que o motorista aplica no automóvel, submete-se o sistema de freio a um ciclo térmico.  Considerando que o disco ou o tambor de freio são vigas bi-apoiadas sofrendo compressão, logo, as tensões durante o funcionamento dos freios podem ser simplificadas pela seguinte equação:

σ = E ⋅ α ⋅ ΔT

Onde E, é o módulo de elasticidade do material do tambor ou do disco, α é o coeficiente de dilatação térmica e ΔT é o diferencial de temperatura durante o processo. Isso significa que, para minimizar as tensões durante a frenagem, todos os parâmetros devem ser reduzidos, uma vez que são todos proporcionais. É interessante notar que, todos esses parâmetros são referentes ao material do disco ou do tambor, até mesmo o delta de temperatura, pois, a temperatura máxima que o sistema suporta, será à temperatura máxima que o material é capaz de suportar. Nota-se, que não é mencionado a pastilha ou a lona de freio. Segundo Canali (2002) a pastilha de freio não pode ter essa função de dissipar o calor, pelo menos, não principalmente. Isso se deve ao fato dessa transferência ocorrer diretamente para o fluído de freio, o que levaria a ebulição deste. O mesmo pode ser dito das lonas, porém as sapatas dificultam um pouco esse processo, sendo as pastilhas mais críticas. Portanto, o material utilizado no tambor ou no disco, diz muito sobre seu desempenho, seja em capacidade de frenagem, seja em emissão de ruídos.

Tabela 1 – Fonte Guesser, W. L. Baumer, I. Tschiptschin, André P. Cueva, Gustavo. Sinatora, Amilton. Ferros Fundidos Empregados para Discos e Tambores de Freio, Brake Colloquium, SAE Brazil, Gramado, RS, 2003.

Na tabela 1 é possível observar que α não é afetada pela classe do ferro fundido cinzento, por outro lado, a condutividade térmica aumenta em direção aos materiais de menor densidade, em outras palavras, para as classes de menor resistência mecânica. Isso é comprovado através da Tabela 2. Nesta observa-se a redução do limite de resistência à fadiga por flexão conforme se utiliza materiais de classe menor. Além disso, também é possível notar a redução do E nas classes menores do ferro fundido cinzento.

Tabela 2 – fonte: Guesser, W. L. Baumer, I. Tschiptschin, André P. Cueva, Gustavo. Sinatora, Amilton. Ferros Fundidos Empregados para Discos e Tambores de Freio, Brake Colloquium, SAE Brazil, Gramado, RS, 2003.

Esses números mostram que, as classes inferiores do ferro fundido cinzento tendem a ter menor fadiga térmica. Boa parte desta característica se deve a grafita, uma variação alotrópica do carbono. Para se ter uma ideia, o carbono apenas possui duas destas variações, sendo a outra o diamante. Embora seja da mesma composição química que o carbono, suas estruturas cristalinas são diferentes e isso resulta propriedades físicas distintas. No caso, elevadas condutividade térmica e elétrica, alta resistência à corrosão, lubrificante natural e elevado ponto de fusão (3.650°). Por essas características, os discos e tambores de freio com maior teor de carbono (consequentemente de grafita), apresentaram maior condutividade térmica, auxiliando na sua capacidade de suportar ciclos e mais ciclos de frenagem sem fadigar termicamente. A fadiga térmica ocorre quando, uma vez que o material não consegue dissipar toda a energia calorífica admitida, se deforma no aquecimento, que por ter excedido as capacidades do material, torna-se uma deformação plástica. No momento do resfriamento, o retorno a condição normal não ocorre como devido, uma vez que a deformação foi plástica, e tensões de tração ocorrem provocando o surgimento de trincas no componente.

Resistência ao desgaste

O deslizamento entre dois componentes resulta no desgaste destes. Entretanto, o sistema de freios deve prover que um dos componentes em contato seja fácil e barato de substituir. Este componente é, também, o que se desgasta mais rápido em relação ao outro componentes, o mais caro. À priori, a resistência ao desgaste está ligada a dureza do material e da quantidade de grafita na sua estrutura. Embora a grafita auxilie a fadiga térmica, a mesma penaliza o desgaste mecânico do componente. Isso é compensado com a adição de Ti e Nb, que provoca a formação de carbonetos e carbonitretos, consequentemente aumentando a resistência ao desgaste.

Resistência mecânica e à fadiga

A resistência mecânica e à fadiga do disco e do tambor de freio, assim como em qualquer outro componente mecânico, depende de diversos fatores como, tipo de carregamento, temperatura de trabalho e condições superficiais (rugosidade). Portanto, é um fator que depende do material utilizado, da qualidade de manufatura e das condições de operação de forma a obter rotores dos resistentes ao estresse mecânico do sistema.

Conformabilidade

Partindo do princípio que, os componentes de atrito, como pastilhas e lonas, não estão plenamente em contato com o disco e o tambor, respectivamente, sabe-se que a área dos componentes de atrito é apenas, uma área aparente. Dessa forma o material destes componentes devem ter alta conformabilidade, ou seja, devem se acomodar o máximo possível sobre os componentes em movimento. Essa característica é influenciada pela temperatura atingida pelo sistema, na qual ao aumentar gera pontos de contato espalhados por toda a área aparente, dessa forma, a área real é menor do que a área aparente e o sistema perde eficiência. Um material de alta conformabilidade tem a capacidade de lidar com a alta temperatura atingida durante a operação dos freios, sem perder contato com a superfície em movimento.

Capacidade de amortecimento de vibrações e ruídos

Esta talvez seja uma das principais características de um sistema de freios que funciona através de atrito, se não, talvez seja à ques está mais em debate. Em um período no qual o trem de força dos automóveis já não é mais tão ruidoso, sobra para pneus e freios serem os maiores emissores de ruídos em um veículo. A capacidade de amortecimento de vibração é a habilidade deste de dissipar a energia vibracional que o material adquire quando exigido. Nos freios, a maior parte da energia é adquirida por calor através do atrito entre seus componentes. Entretanto, muitas vezes uma pequena parte dessa energia não se manifesta através do calor e sim de vibrações. O ferro fundido é um material já conhecido por sua habilidade em amortecer vibrações. Esta vem do atrito entre a grafita e sua matriz metálica, que durante uma solicitação mecânica, transformam parte desta em atrito interno de sua microestrutura. A capacidade de amortecimento é aprimorada quando o teor de carbono é aumentado, consequentemente o nível grafita também aumenta. A grafita lamelar, em especial, provoca grande histerese no ferro fundido.

Figura 1 – Fonte: Guesser, W. L. Baumer, I. Tschiptschin, André P. Cueva, Gustavo. Sinatora, Amilton. Ferros Fundidos Empregados para Discos e Tambores de Freio, Brake Colloquium, SAE Brazil, Gramado, RS, 2003.

Na Figura 1, a linha cheia representa um aço qualquer, enquanto a linha tracejada representa o ferro fundido. Percebe-se que este não possui uma recuperação linear da energia absorvida, parte desta se perde com o atrito interno da grafita com a matriz metálica. Embora essa característica seja interessante, por outro lado a mesma pura e simples, também reduz drasticamente a resistência mecânica do material. Requer, então, a inclusão de um outro material de liga.

Peso

Uma vez que, nos automóveis, aeronaves e trens, os freios fazem parte da massa não suspensa do veículo, são, portanto, um sistema com influências consideráveis nas características de manuseio desses veículos. Assim, devem ter a menor massa possível, sem que esta prejudique suas propriedades mecânicas.

Usinabilidade

Os rotores são peças, na maioria dos casos, fundidas. Assim se faz necessário um processo de acabamento para garantir a qualidade e requisitos do projeto. Dessa forma, o tambor ou o disco deve ser fabricado com um material de fácil usinabilidade de forma a facilitar e aumentar a produção [2].

Materiais dos componentes do freio

Basicamente, um sistema de freios funciona a partir do deslizamento de dois componentes, um rotor, que é o disco ou o tambor, e o estator, que é pastilha ou a lona. Estatores, em geral, são os componentes do freio que são razoavelmente suaves [4], já não utilizam mais o amianto (asbestos) como matéria-prima, mas sim um compósito de vários materiais. O rotor é o componente mais rígido do sistema e, na maioria dos casos, é  fabricado em ferro fundido cinzento. Estes componentes são fabricados em materiais diferentes devido as suas diferente necessidades. Dessa forma, o diferencial de um sistema de freio está na formulação do material utilizado nestes componentes.

Rotor

Em um sistema de freio, o rotor é a peça móvel, que carrega a energia cinética do movimento. No caso dos freios automobilísticos o tambor e o disco representam o rotor. Ambos são componentes críticos, pois uma falha nestes não representa apenas a perda da capacidade de freio, mas sim a total quebra de diversos sistemas. Em outras palavras, a  fratura e depois ruptura dos componentes. Posto isso, é possível afirmar que o rotor de um freio automobilístico precisa ser rígido para suportar e transmitir o torque de atrito no acionamento dos freios sem deformação alguma. Entretanto, no contato entre estator e rotor ocorre, também, o aumento da temperatura. O problema é que a exigência térmica dos freios é muito maior que a exigência mecânica [4], exigindo que disco e tambor possuam elevadas capacidades de absorver calor (ρ.Cp) e condutividade térmica. Isso é necessário para que estes componentes possam absorver e dissipar calor rapidamente, o que ajuda o sistema a não atingir temperaturas excessivamente altas durante a sua operação. Então, como o freio naturalmente atinge temperaturas elevadas, as peças de força deste devem ter elevada MOT, ou Temperatura Máxima de Operação (Maximum Operating Temperature).  O disco e o tambor são fixados em cubos de roda, para que possam girar solidários a roda. Esses componentes fazem parte massa não suspensa do veículo, de forma que suas densidades (ρ) devem ser a menor possível para não afetar o desempenho do veículo. Além disso, os rotores devem ter o menor coeficiente de expansão térmica (α) possível, pois o aquecimento desses componentes não é uniforme. Assim, caso as superfícies mais quentes dilatem com facilidade, isto ocasionaria a deformação dos rotores. No casos dos discos, ocorreria a conicidade. Esse fenômeno ocorre após uma expansão exagerada da zona aquecida do disco que se deforma originando uma zona mais alta no região de contato do disco, dando a este um formato cônico [4]. No caso do tambor, o aquecimento maior ocorre perto das bordas, uma deformação exagerada na região também o deixaria com um aspecto cônico. O material utilizado para fabricação de discos e tambores é o ferro fundido cinzento (gray cast iron). Existem discos fabricados com aço ou fibra de carbono, mas que são voltados para aplicações específicas, em geral, veículos de alto desempenho ou de competição. Guesser et al. [6] afirma que as empresas do mercado de peças de reposição (aftermarketing) utilizam o ferro fundido cinzento da classe FC-200, pois atendem aos requisitos, baixo custo, fácil usinabilidade e adequada condutividade térmica. Em geral, as seguintes classes de ferro fundido cinzento são utilizadas:

  • FC 200 e 250;
  • FC 200 e 250 Ti;
  • FC150 HC;
  • FC150 HC Mo.

Segundo Guesser et al. [3] o FC 200 e 250 são os materiais mais tradicionais utilizados em sistemas de freios. Seus percentuais de carbono oscilam entre 3,5 e 3,6% e possuem baixa quantidade de grafita. Isso permite uma resistência mecânica e condutividade térmica adequada a proposta de uso em automóveis civis, porém sem grandes excessos. Além disso essa classe geralmente contém cobre (Cu), estanho (Sn), cromo (Cr), manganês (Mn) ou molibdênio (Mo) como elementos de liga, sendo os três primeiros devido a matriz perlítica. A importância desta é conferir uma resistência extra ao desgaste. Entretanto, Mn e Mo estão mais ligados a determinação de normas. Em geral o objetivo é o mesmo, embora o Mo seja capaz de melhorar a fadiga térmica do rotor e o Mn acabe dificultando um pouco o seu processo produtivo devido a segregação [3]. O elemento de liga que melhor se adequou a essa classe de ferro fundido foi o titânio (Ti), gerando a classe FC 200 e 250 Ti. Em geral sua concentração varia de 200 a 400 ppm, o suficiente para melhorar a resistência ao desgaste, propriedades de fricção e vibrações durante a frenagem [5]. Contudo, foi a classe da FC 150 HC que mostrou o melhor desempenho em termos de resistência mecânica e térmica. Isso se deve ao fato da maior concentração de carbono, 3,7 a 3,9%, sendo considerado um ferro fundido cinzento de alto carbono. Além disso, os elementos de liga Cu, Sn e Cr também apresentam-se em maiores quantidade. O fato é que isso proporciona ao rotor uma maior condutividade térmica e uma resistência mecânica adequada, em comparação às classes com menor teor de carbono. Como a exigência mecânica é menor que a exigência térmica, essas classes apresentam melhor desempenho. Uma vez que a condutividade térmica é mais alta, o sistema está menor exposto a fadiga térmica, consequentemente maior vida útil. Existe também a classe FC 150 HC Mo, que é uma variação da classe anterior. Basicamente, é a adição de Mo melhorar ainda mais a resistência térmica. Apesar disso, estas duas categorias estão um pouco mais expostas as falhas mecânicas devido a alta concentração de carbono, que gera problemas de rugosidade superficial [3]. Esses problemas ocorrem devido a pontos quentes oriundos da grafita arrancada durante a usinagem. Guesser et al. [3] sugere que esse problema pode ser contornado através de uma estratégia de usinagem, onde cortes menos profundo são realizados. Portanto, como pode ser observado, a principal alteração das classes de ferro fundido cinzento utilizadas nos rotores de freios, é o percentual de carbono na estrutura. A influência desse percentual é contabilizada no módulo de elasticidade do material, ou módulo de Young [5]. Ganguly et al. [5] constatou em suas análises que o percentual de carbono era capaz melhorar a já boa capacidade de amortecimento do ferro fundido cinzento. Em alguns de seus experimentos, o coeficiente de amortecimento do material chegou a dobrar, em relação ao ferro fundido cinzento comercial. Por outro lado, a maior quantidade de carbono altera a microestrutura do ferro fundido cinzento, deixo-a na condição de hipereutética [5]. Isso, por sua vez, reduz consideravelmente a resistência mecânica do material, responsável por suportar o estresse causado pelas forças e torques de frenagem gerados. Assim, a seleção do material do utilizado em tambores e discos deve ser feita com cautela.

Estator

Figura 2 – Lonas de freios rebitadas nas sapatas. Fonte: https://www.brakematerialsandparts.com/brakerelining.htm

O estator é parte estática de um freio, nos freios automobilísticos são representados pelas pastilhas e pelas lonas de freio. Estes são fixados no backing plate e na sapata, respectivamente. É interessante ressaltar que, backing plate é um denominação também utilizada nos freio a tambor, porém para outro componente.  Apesar de não ser um componente tão rígido quanto o rotor, o estator também deve possuir elevada resistência térmica e mecânica, elevada MOT, para garantir sua integridade  e propriedades mesmo quando exposto a elevadas temperaturas. Contudo o MOT e a condutividade térmica de um estator não pode ser próximo a do rotor, pois deve se levar em consideração o fato deste componente estar em contato com outros componentes, como sapatas, pistão e, por sua vez, o fluído de freio. Caso isso ocorra, além de degradar componentes próximos ao freio, pode levar a ebulição do fluído de freio que está na pinça, perdendo força de frenagem. Como pastilhas e lonas são os componentes de manutenção do sistema de freio, estes devem ser menos rígidos que os rotores. Então é natural que as pastilhas e lonas seja mais permissíveis ao desgaste, embora não de maneira exagerada. O contato desses componentes nunca ocorre de maneira uniforme. Assim o desgaste, até certo ponto, pode ser benéfico pois concede relativa uniformidade na distribuição de pressão de contato. Isso ajuda a evitar diversas situações prejudiciais ao freio, como geração de pontos quentes [4], vibrações e ruídos.

Figura 3 – Modelos básicos de pastilhas de freios. Fonte: https://www.yourmechanic.com/article/how-to-buy-good-quality-brake-pads

O conhecimento acerca do material de atrito dos estatores (pastilhas e lonas) é, de certa forma, restrito. Além disso a literatura técnica da área parece escassa propositalmente, uma vez que a composição dos materiais de atrito é segredo estratégico das indústrias de auto-peças voltadas a freios. Entretanto em substituição ao amianto moldado em pastilhas e lonas, foram aplicados os materiais NAO (non asbestos organic) e Low Met. Entre estes existem algumas diferenças, o NAO tende a ser mais silencioso, devido ao coeficiente de atrito levemente mais baixo que o Low Met. Além disso estatores fabricados em NAO não suportam tão elevadas temperatura. Esses são motivos pelos quais o NAO é considerado um material de atrito mais voltado ao conforto, enquanto que o Low Met é tem um desempenho melhor em termos de força de frenagem.  Esses materiais são aplicados largamente, mas o Low Met é mais usado na Europa e América do Sul e o NAO, nos EUA e no Japão.

Os materiais citados acima são, na realidade, compósitos de vários materiais com funções distintas que visam conferir ao material de atrito acabados as características necessárias para seu bom funcionamento. Em termos gerais, a composição destes materiais é: 

  • Fibras;
  • Materiais de preenchimento;
  • Ligantes;
  • Modificadores de fricção.

Fibras

As fibras ou polímeros conferem conformabilidade ao material. A resistência mecânica é garantida por uma lã de aço ou Kevlar [4], usada em substituição ao amianto. Este, apesar de ter uma atrativa combinação de custo, resistência térmica e mecânica, de fácil manufatura [2], era nocivo a saúde humana devido a ser cancerígeno. A principal função das fibras é fornecer a resistência e a rigidez requerida aos estatores. Canali (2002) diz que as principais fibras utilizadas são as fibras acrílica, de carbono, de vidro e vegetais, limalhas de latão, lãs de cobre, de aço e de rocha.

Material de preenchimento

A estabilidade no coeficiente de atrito é obtida com um material preenchedor. Estes são, em geral, minerais capazes de aumentar a vida útil dos estatores e servido de preenchedor de espaço no formato dessas peças [1]. Os materiais preenchedores também estão ligados ao custo das pastilhas e lonas. Os minerais utilizados como material preenchedor são o sulfato de bário, carbonato de cálcio e o dióxido de silício (Silica). O sulfato de bário é um material de alta estabilidade térmica [1], entretanto tem alta densidade, desgaste e baixo nível de fricção. É um material barato, o que o torna uma escolha razoável em detrimento dos seus pontos fracos. O carbonato de cálcio tem baixa densidade, mas pouca resistência ao calor. Enquanto que a silica é um abrasivo, o que é bom para conferir um bom coeficiente de atrito, por outra lado aumenta o peso do material de fricção em 5% [1].

Ligantes

Os componentes ligantes possuem essa denominação pois são responsáveis por manterem todos o os componentes do material de atrito juntos, aglutinados [2]. Mesmo com os grandes esforços gerados durante uma frenagem, o material de atrito não se despedaçar ou rachar. Para isso existem os ligantes. Os ligantes são responsáveis por 5 a 15% do peso na formulação [2]. De acordo com Iombriller [1] as variações de ligantes mais utilizadas são os fenolformaldeídos. Estas são:

  1. Resinas crisol: Resinas duras, quebradiças, porém capazes de suportar grande estresse térmico;
  2. Novolak – É um polímero de baixo peso utilizada como ligante, contudo este precisa de um agente para seu processo de cura.

Além das resinas derivadas do formaldeidos, existem resinas de materiais alternativos, são estas:

  • Resinas de óleo modificado (de linhaça, de rícino ou de soja): Conferem flexibilidade, altas forças de atrito e reduzem a propensão do sistema ao fading. 
  • Resinas de óleo da casca da castanha de caju: Melhoram a eficiência de frenagem além de prover uma frenagem mais silenciosa. 
  • Resinas fenólicas modificadas por elastômeros: Estas resinas melhoram a flexibilidade do contato e aumentam o coeficientes de atrito.
  • Resinas de crisol: São resinas utilizadas alterar as características das resinas fenólicas. Consequentemente as resinas de crisol concedem mais maciez e uma cura mais lenta.
  • Resinas fenólicas modificadas por óxidos metálicos: Basicamente aumentam a resistência térmica do sistema, logo menor tendência ao fading. Além disso, são capazes de reduzirem os tempos de cura. 
  • Resinas fenólicas modificadas por ácido bórico: Melhora a resistência térmica e a limitação do desgaste.

Modificadores de atrito

Para manter o componente de atrito dentro do limite de temperatura, materiais com propriedades lubrificantes ou abrasivas são adicionados. Algumas literaturas abordam os modificadores de fricção apenas como abrasivos. Estes ajudam a reduzir pontos de alta temperatura devido a esforços prolongados. Para evitar que a superfície de contato tenha excessos de detritos provenientes do deslizamento entre as duas superfícies, utilizam-se materiais que funcionam como lavadores, polindo a superfície de contato do rotor. Canali [2] sugere o uso do abrasivo é moderado, uma vez que não se deseja um atrito exagerado por parte do estator. Iombriller [1] resumiu os principais componentes utilizados como modificadores de atrito. 

O elastômeros são os componentes mais comuns utilizados nos materiais de atrito para freios:

  • Borracha natural: Descontinuado devido ao seu alto custo, a propensão ao fade e exalar um forte cheiro quando aquecida.
  • Borracha de Estireno Butadieno: Uma borracha combinada com resinas fenólicas, promove a rigidez, resistência mecânica e ao fading.
  • Borracha de Acrilonitrila Butadieno: Essa borracha pode ser utilizada singularmente ou combinada com resinas fenólicas em guarnições flexiveis. Dos elastômeros é o que oferece melhor resistência ao calor, melhora a eficiência e a compressão contra a superfície do rotor.

Os componentes que funcionam como modificadores abrasivos são:

  • Óxido de alumínio anidro (alumina): Trata-se de um material, duro, abrasivo e estável em altas temperaturas. O pó de alumina é fino e misturado a uma solução de resina fenólica. Este é utilizado para pintar a superfície final da pastilha. A pastilha com essa camada realiza o polimento e sua moldagem a superfície do disco nos primeiros 100 km de aplicação. Isso ajuda a melhorar a vida útil da pastilha.
  • Óxido de cromo: Devido ao seu custo proibitivo, é muito pouco usado. Entretanto, esse componente é capaz de conferir um alto coeficiente de atrito.
  • Óxido de zinco: Esse componente confere ao material de atrito um efeito lubrificante, resistência ao desgaste. Entretanto em excesso pode desgastar os rotores. 
  • Cal (hidróxido de cálcio): Confere ao material de atrito maior dureza, resistência à ferrugem em pastilhas e lonas contendo palha de aço e partículas de ferro. Nas resinas de fenolformaldeído é capaz de reduzir a variação do coeficiente de atrito em altas temperaturas, logo reduzindo as possibilidade fading. Além disso reduz, no seu processo produtivo, ajuda a reduzir a dilatação e absorver os gases durante a cura, reduzindo que sejam necessárias laminações. 
  • Óxido de cobre: Apesar conceder um elevado nível de fricção, não garante à qualidade da superfície do rotor.
  • Óxido de ferro: São adicionados visando aumentar o nível de fricção e melhorar a estabilidade térmica. Além disso, o óxido de ferro é capaz de mudar a cor do estator.
  • Óxido de ferro vermelho (hematita): Tem poder abrasivo brando, sendo usado com o objetivo de polir a superfície do rotor. 
  • Óxido de ferro preto (magnetita): Componente adicionado para elevar a fricção do estator quando frio. 
  • Óxido de magnésio: Este componente é adicionado para melhorar a estabilidade térmica das resinas. Quando fundido, aumenta o nível de fricção, pois adquire maior dureza e torna-se menos reativo.
  • Grafite: O grafite tem um leve poder lubrificante, assim reduz o coeficiente de atrito, mas reduz a propensão ao fading.
  • Lascas de latão (62% cobre e 38% zinco): Um importante componente que é utilizado no material de atrito. Com apenas 4% em peso na fórmula, já se obtém atributos suficientes para controle do fading. Um percentual maior do que este ajuda a melhorar a condutividade térmica. Dessa forma, o calor gerado na superfície de frenagem se dissipa mais rapidamente para outros componentes, contribuindo para prolongar a vida do material de atrito. Além disso, seu leve poder abrasivo auxilia no polimento do disco, limpando os resíduos que venham a se acumular. Entretanto, o custo do latão tem aumentado, dessa forma o seu uso tem sido reduzido nas fórmulas.
  • Pó de cobre: Adicionar pó de cobre a fórmula do material de atrito ajuda a melhorar  a eficiência de frenagem. Além disso tem boa condutibilidade térmica. Entretanto, se adicionado em excesso, provoca desgaste desgaste do material de atrito.
  • Chumbo: Devido a sua alta densidade, era utilizado para aumentar o peso, além disso mostrou-se capaz de melhorar estabilidade do coeficiente de atrito quando em altas temperaturas. Entretanto, foi descontinuado devido a sua nocividade a saúde humana.

Orgânicos

Compostos orgânicos como borrachas, coques, grafites e polímeros são adicionados ao material de forma isolada ou na matriz do material [2]. Basicamente esses materiais representam uma alternativa aos já tradicionais compostos utilizados. Contudo, Canali [2] diz que estes possuem algumas limitações em relação a temperatura, podendo literalmente se decompor durante o funcionamento do freio.

Cargas

Na condição de que a matriz do material não for suficiente para preencher o molde da pastilha ou da lona de freio, é comum a adição de um material chamado carga. Segundo Canali [2], um material de baixo custo é utilizado com o objetivo de dar mais volume ao material. Entretanto, existem aplicações que adicionam algumas propriedades ao material de atrito. A barita é comumente utilizada como carga, mas até mesmo materiais reaproveitados de outros processos podem ser utilizados. Os componentes utilizados na formulação total de uma pastilha de freio ou lona, estão sujeitos a alterações, que não dependem apenas do tipo de fornecedor, mas também da aplicação. Portanto, a formulação não é um dado certo.

Referências

  1. Iombriller, S. F. Análise Térmica e Dinâmica do Sistema de Freio à Disco de Veículos Comerciais. Escola de Engenharia de São Carlos, 2002;
  2. Canali, R. J. Determinação de propriedades físicas de diferentes materiais para discos e pastilhas de freio e relação destas propriedades com ruído. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002;
  3. Guesser, W. L. Baumer, I. Tschiptschin, André P. Cueva, Gustavo. Sinatora, Amilton. Ferros Fundidos Empregados para Discos e Tambores de Freio, Brake Colloquium, SAE Brazil, Gramado, RS, 2003;
  4. A. CROLA, David, Automotive Engineering Powertrain, Chassis System and Vehicle Body, Oxford, Elsevier, 2009. 835p;
  5. Ganguly, S. Tong, H. Dudley, G. Connolly, F. Hoff, S. Eliminating Drum Brake Squeal by a Damped Iron Drum Assembly, World Congress, Detroit, USA, 2007. 10.4271/2007-01-0592;

Foto de Capa

  • https://www.bekaert.com/en/products/automotive/corner/metal-fibers-for-friction-materials