Engenharia Automotiva na Itália – Parte 4: Alguém anotou a placa do caminhão que me atropelou?

Se o primeiro semestre em Modena já havia sido um choque de realidade, o segundo foi como se um caminhão tivesse passado por cima de mim. Essa é a melhor metáfora para descrever o que vivi. A intensidade aumentou, as disciplinas ficaram ainda mais pesadas, e a pressão acadêmica atingiu um nível que eu nunca tinha experimentado. O sonho de estudar no coração da indústria automotiva italiana estava se realizando, mas junto dele vinha um custo físico e emocional altíssimo.

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Um semestre desenhado para testar limites

O segundo semestre trouxe um conjunto de disciplinas que já eram famosas entre os alunos pela dificuldade:

  • Vehicle Dynamics – talvez a mais emblemática, focada em dinâmica veicular.

  • Finite Element Methods (FEM) – aprofundando-se em cálculos estruturais.

  • Aerodynamics and CFD – explorando escoamento, simulações e fluidodinâmica computacional.

  • Powertrain – cobrindo motores e transmissões com profundidade industrial.

  • Control Systems – com forte carga matemática.

Cada matéria sozinha já seria um desafio. Mas, agrupadas em um mesmo semestre, formavam um verdadeiro campo de batalha acadêmico. As aulas eram longas, cheias de equações complexas e softwares avançados. Em Aerodynamics, por exemplo, além da teoria, era preciso aprender rapidamente ferramentas de CFD. Em FEM, tínhamos que dominar softwares de elementos finitos que exigiam horas de prática fora da sala. Era como se cada disciplina disputasse para ver qual exigiria mais energia dos alunos.

O peso da responsabilidade

Além da dificuldade natural, havia o fator psicológico: eu tinha conquistado a Bolsa Fórmula 1, que me dava não apenas apoio financeiro, mas também a responsabilidade de provar que era digno dela. Essa pressão extra me acompanhava diariamente. Cada prova era mais que uma avaliação: era a chance de mostrar que eu merecia estar ali. E, no fundo, o medo constante era o de não corresponder.

Vehicle Dynamics: a prova que derrubou

Entre todas, a disciplina de Vehicle Dynamics se destacou – pelo peso e pela dor de cabeça. O professor aplicava provas longas, com questões abertas que exigiam não apenas cálculo, mas raciocínio aplicado em alto nível. Passei semanas tentando absorver o conteúdo. Revisei livros, refiz exercícios, assisti aulas antigas. Mesmo assim, quando a prova chegou, a sensação era de estar diante de um muro intransponível. O resultado foi devastador: uma nota muito abaixo do esperado. Saí da sala com a sensação de que, de fato, um caminhão tinha passado por cima de mim.

O acúmulo de frustrações

Não foi apenas uma disciplina. Em FEM, a curva de aprendizado com os softwares parecia interminável. Em Aerodynamics, os projetos exigiam tempo e recursos que muitas vezes eu não tinha. Control Systems testava minha paciência com fórmulas e matrizes complexas. A cada semana, havia uma nova prova, um novo projeto, uma nova entrega. Era uma rotina de sono irregular, refeições rápidas e horas intermináveis em frente ao computador. Esse acúmulo de frustrações começou a corroer minha confiança. Já não era apenas a questão de aprender; era a luta diária para não desistir.

Momentos de respiro

Apesar da tempestade, havia momentos que mantinham a chama acesa. Uma aula inspiradora, uma conversa com colegas, ou simplesmente a percepção de que estava lidando com conteúdos que, anos atrás, eu só imaginava ver em livros ou documentários. Estar em Modena, cercado por nomes como Ferrari, Maserati e Pagani, era um lembrete constante de que o esforço fazia sentido. Mesmo quando parecia impossível, eu me lembrava de onde estava e porque tinha escolhido esse caminho.


O aprendizado além das provas

Se as notas muitas vezes não refletiam meu esforço, o aprendizado prático era inegável. Dominar ferramentas de CFD, entender o comportamento dinâmico de veículos, aplicar elementos finitos em problemas reais – tudo isso era conhecimento que nenhum livro isolado poderia fornecer. A pressão forçava um amadurecimento acelerado, e essa talvez tenha sido a parte mais valiosa do semestre. Aprendi também a lidar com o fracasso. Reprovar, chorar, levantar e tentar de novo se tornou rotina. Foi nesse ciclo que entendi, na prática, que a resiliência é tão importante quanto a técnica.

O impacto emocional

Não dá para romantizar: houve dias em que pensei seriamente em desistir. A sensação de estar sempre correndo atrás, sem nunca alcançar, era sufocante. Mas, paradoxalmente, foi nesse período que aprendi a lidar melhor com a frustração. Em vez de paralisar, passei a usar o fracasso como combustível. Cada reprovação virava um motivo para estudar mais, para buscar estratégias diferentes, para não me deixar vencer.


Fechando o semestre

Ao final, o balanço não foi brilhante em números. Houve disciplinas em que precisei repetir provas, outras em que saí com notas abaixo da média. Mas sobrevivi. E, principalmente, percebi que, mesmo atropelado, ainda estava de pé. O caminhão tinha passado, mas eu continuava andando. Essa foi a lição mais forte do segundo semestre: os sonhos realizados têm um custo alto, mas sobrevivê-los é o que nos torna mais fortes.


Conclusão

O título “alguém anotou a placa do caminhão que me atropelou?” não é exagero. Foi exatamente assim que me senti. Mas, olhando para trás, percebo que esse foi um dos períodos de maior crescimento da minha vida. Se no começo parecia que eu não tinha forças para continuar, ao final vi que cada tropeço me tornava mais resiliente. E é essa resiliência que, no fundo, sustenta qualquer sonho grande. Na próxima parte, vou contar como os semestres seguintes trouxeram novos desafios e como comecei a encontrar meu lugar dentro desse mundo tão exigente da engenharia automotiva.