Preparação do piloto para um fim de semana de corrida: Análise das trocas de marcha

Embora não exista uma correlação específica, o tempo no qual o piloto permanece acelerando, geralmente se traduz em tempos de volta menores. Isso tem a ver com a troca das marchas, pois para que esta ocorra, é inevitável uma breve interrupção da aceleração do motor. Mesmo que, atualmente, a grande maioria dos carros de corrida não possuam sistema de transmissão totalmente manuais, essa informação ainda é relevante. Os principais canais de dados analisados são:

  • Aceleração longitudinal;
  • Rotação do motor;
  • Percentual de abertura da borboleta;
  • Indicador de marcha utilizada;
  • Velocidade das rodas.

Utiliza-se essas informações para avaliar as seguintes situações:

  • Troca de marcha ascendente;
  • Troca de marcha descendente;
  • O momento da troca de marcha;
  • A duração da troca de marcha.

Trocas ascendentes

Existe um momento certo para se trocar de marchas em qualquer carro, basta saber o que se quer extrair do motor no momento. No mundo das competições automobilísticas não é diferente, é necessário saber as características do motor para poder determinar em qual rotação será o momento ideal para a troca de marcha.

Isso só pode ser realizado com a curva de potência e os dados de testes de bancada do motor. Como nem sempre estes dados estão disponíveis, é possível verificar através do data logger algumas informações que podem demonstrar que a troca foi breve, demorada ou até mesmo, prejudicial a durabilidade da caixa de marchas.

Azul claro: Aceleração longitudinal;
Lilás: Marcha utilizada;
Vermelha: Rotação do motor;
Azul: Velocidade do veículo.
Foto: Autor;
Software: Pi Toolbox.

No gráfico acima destacamos as seguintes informações, força G longitudinal, marcha em uso, velocidade do motor e velocidade do veículo. Todas estas foram selecionadas em uma faixa do gráfico que compreende o ponto de maior velocidade do circuito. No final dessa seção, o veículo atinge cerca de 259,3 km/h a 7672 Rpm, sua aceleração longitudinal é 0,11 G e o marcha utilizada é a sexta.

Ponto de troca

O primeiro ponto a se avaliar, no gráfico acima, é a inclinação da curva de aceleração longitudinal, esta é interrompida pelo que chamamos de blips, que são interrupções da aceleração para realização do punta-taco ou troca de marcha. Compreende-se que a inclinação mostra um ângulo praticamente constante, mesmo com as breves interrupções da aceleração. Isso significa que o piloto está trocando de marcha no momento certo, pois a breve queda da aceleração longitudinal é a mínima possível, progressiva a medida que ganha velocidade.

Um troca de marcha ascendente muito breve resulta em uma menor força longitudinal após o vale devido a interrupção da aceleração.
Foto: Segers. J. Analisys Tequiniques for Racecar Data Acquisition, 1° Edição. Warrendale, PA. SAE International. 2008.

O gráfico acima mostra uma situação diferente, nesta a aceleração longitudinal possui um pequeno desalinhamento, ou seja, a inclinação da curva mudou. Essa é uma característica de quando a troca de marcha ascendente é realizada de forma precipitada. Assim a rotação do motor cai para uma zona onde a potência é inferior a mesma obtida em uma troca correta, resultando portanto em uma força para frente menor, logo menor aceleração.

Em geral os blips são considerados insuficientes quando a borboleta de aceleração abre cerca de 10%, e exagerados quando a abertura da borboleta de aceleração ultrapassa os 50% de abertura da borboleta de aceleração.

Tempo de troca

O tempo de troca é um outro fator que pode ser avaliado com as informações obtidas com esses gráficos. Basicamente, os tempos de troca denunciam a habilidade do piloto em trocar de marchas rapidamente ou, em casos de câmbios automatizados, a velocidade com que o sistema é capaz de realizar a troca de marcha. Além disso, é possível verificar se o câmbio está sendo bem manuseado ou sofrendo abusos por parte do piloto.

Em geral, trocar de marcha rapidamente prejudica um pouco a durabilidade da caixa de marcha. Isso ocorre pois, na troca de uma engrenagem para outra, as velocidades do eixo de entrada e da engrenagem referente a marcha selecionada são diferentes. Uma peça chamada sincronizador tem a função de equalizar essas velocidades e prover uma troca suave. Entretanto, quando se requer uma troca rápida, o sincronizador é mais exigido, uma vez que seu funcionamento é baseado no atrito, assim o desgaste é maior. Talvez em corridas de curta duração, que geralmente se estendem de 45 min a 2 h, o parâmetro de velocidade de troca de marcha não seja tão significante, porém em corridas de longa duração, onde pilotos diferentes revesam no veículo, esse parâmetro tem muita importância.

O tempo de troca é o tempo gasto quando a embreagem é desacoplada do motor, efetuada a troca de engrenagem e em seguida a embreagem é acoplada novamente. Em termos de dados, isso traduz no delta de tempo da interrupção da aceleração longitudinal e quando está é retomada. Como é possível ver no gráfico abaixo:

Foto: Autor;
Software: Pi Toolbox.

Na imagem acima vemos que, muito antes da aceleração longitudinal estabilizar, o veículo já havia trocado de engrenagem, o que significa que trata-se de um carro com cambio automatizado. Contribui com isso o fato de, praticamente, não haver interrupção alguma na velocidade do veículo. Esse gráfico é bastante utilizado para comparar pilotos e constância destes na troca de marcha.

Para uma melhor visualização dessas informações, Segers (2008) sugere que os canais mais adequados para conectar os sensores para estas informações devem possuir 50 Hz. Dessa forma, fornece uma capacidade de leitura a cada 0,02 s. Precisão suficiente para visualizar os vales e picos devido as trocas de marcha.

Trocas descendentes

As reduções de marcha em uma corrida de carros estão diretamente ligadas as aproximações de curva, momento no qual o piloto executa as frenagens durante uma corrida, muitas destas através da técnica trail braking. Esse é o motivo pelo qual a técnica frear é uma das, se não, a mais crítica e difícil na pilotagem automobilística.

Ao frear é necessário reduzir marchas, e isso, assim como nas trocas ascendentes requer sincronia entre as engrenagem motora e a que será movida. Para aceleração, isso é mais simples, uma vez que a movida estará mais devagar. O trabalho para superar a inércia é facilitado pelo sincronizador. Entretanto, quando se trata de redução de marcha, a situação é oposta, o motor é que está em uma rotação mais baixa, e as engrenagens terão uma nova relação, na qual o motor precisará girar mais rápido.

Esse é o motivo pelo qual os pilotos executam o punta-taco, no qual pressionam o acelerador no momento em que o motor encontra-se desacoplado da embreagem. Dessa forma, o ganho de rotação pelo motor compensa a diferença de velocidade entre o motor e as rodas. Os problemas ocorrem quando essa técnica não é realizada, ou pelo menos, não corretamente, pois comprometem totalmente o trail braking. Quando uma redução é realizada sem o toque no acelerador, a tendência é que as rodas de tração travem devido a diferença de velocidade da nova relação. O mesmo ocorre quando o punta-taco é realizado de forma insuficiente, mas quando em excesso, tende a fazer com que as rodas girem mais rápido. Em todos os casos, o equilíbrio do chassi é perturbado e o carro exibe um perigoso sobresterço.

Curiosamente, a técnica power over utilizada no drift, consiste em realizar uma redução abrupta de marcha, para que o motor gire mais rápido desequilibrando completamente o veículo. Não é o caso nas corridas convencionais.

Os gráfico de linha temporal com os dados de marcha e percentual de abertura da borboleta de aceleração mostram como está habilidade do piloto em realizar essa técnica.

Verde: Percentual de abertura da borboleta; Lilás: Marcha utilizada; Vermelho: Rotação do motor; Azul: Velocidade do veículo.
Foto: Autor;
Sotware: Pi Toolbox.

No gráfico acima, podemos perceber que nas quatro reduções de marcha, o piloto executa o punta-taco com o mínimo de variação, mantendo acelerado cerca de 48 a 52% de abertura da borboleta. Não há exageros, uma vez que a curva de velocidade do motor mostra pico de velocidade após cada redução. Outra forma avaliar a troca de marcha descendente durante a pilotagem é uma relação das variáveis velocidade do motor (RPM) e a velocidade do veículo, é a chamada Total Gear Ratio, ou relação total (Segers, 2009). Para isso, utiliza-se a seguinte equação:

Essa equação pode ser configurada no software tornando-se um dos canais utilizados para avaliação do piloto.

Foto: Segers. J. Analisys Tequiniques for Racecar Data Acquisition, 1° Edição. Warrendale, PA. SAE International. 2008;

Os gráficos acima mostram uma situação na qual o punta-taco foi insuficiente, esta é denunciada através do vale, que destoa dos valores normais para a redução.

Total gear ratio

Em português, relação de marcha total, é um canal matemático que pode ser programado no software de aquisição de dados, este expressa a relação entre a velocidade do motor e a velocidade do veículo. Para programar o canal Total Gear Ratio no software Pi Toolbox utiliza-se o seguinte código:

100 * [Speed] / [RPM]

Crédito foto: Autor.

O gráfico do total gear ratio é bastante semelhante ao gráfico da marcha indicada, porém suas linhas apresentam uma tracejado carregado com muitos picos. Em geral, esse canal é utilizado em conjunto com outros parâmetros para determinar alguma anomalia durante a condução do veículo, como por exemplo, perda de tração momentânea nas rodas, travamento de roda em uma freada forte e punta-taco excessivo ou insuficiente nas reduções de marcha.

Crédito foto: Autor.

O total gear ratio pode ser calculado através da seguinte equação (Segers, 2008):

Determinando qual marcha utilizar

As curvas e sessões sinuosas de um circuito são as diversas oportunidades que um piloto tem para errar a marcha a ser utilizada, de certa forma não há grandes problemas quando isso acontece, contato que seja nas sessões de treino. Através do data logger existem algumas ferramentas que auxiliam o engenheiro de dados a entender quando uma marcha incorreta está sendo utilizada. Uma destas ferramentas é o Gráfico de Marcha ou Gear Chart:

Crédito foto: Autor.

Trata-se de um gráfico X-Y no qual o eixo x está a velocidade da roda e o eixo y é a velocidade do motor. Em geral, o sensor da roda utilizada é o das rodas dianteiras. Existem algumas abordagens, nas quais os valores das rodas dianteiras é tomado como uma média, mas não efeito benéficos nisso, apenas uma consideração, uma vez que estas rodas, dependendo do lado da curva, estarão girando a velocidade diferentes.

Esse gráfico é capaz de informar as marchas mais utilizadas em um circuito, consequentemente o mesmo auxilia na interpretação do tipo de circuito e qual abordagem será usada no acerto do chassi. Uma informação que geralmente é bastante perceptível nos gráficos de marcha, é como a primeira marcha é raramente utilizada. Além disso, através deste é possível prever em qual rotação o motor estará durante as trocas de engrenagem.

Um dos objetivos desse gráfico é, também, determinar se a relação de marchas está adequada. Nem sempre é possível ter em mãos a informação das relações de marcha do veículo, por isso este gráfico permite vê-la. Nesses casos, determina-se a última marcha para reta mais longa do circuito e as marchas intermediárias (2ª, 3ª ou 4ª) para as sessões sinuosas do circuito (Segers, 2008).

Nas curvas

Muitas vezes os pilotos se deparam com uma dúvida: “Qual marcha utilizar em uma curva ?”

Esse questionamento acontece, pois muitas vezes uma curva feita em segunda marcha, pode também ser contornada em terceira marcha, vai depender também da relação de marchas que o veículo está utilizando. Entretanto, quando esse questionamento é levantado, a melhor forma de resolve-lo é através da análise de dados.

Crédito foto: Autor.

No gráfico acima foi plotado em função do deslocamento, os seguintes parâmetros, a velocidade angular de todas as marchas e a velocidade do veículo. O objetivo aqui, é determinar qual a marcha mais adequada para contornar a curva do gráfico em questão. É possível visualizar que a linha azul, referente a velocidade, mostra que no ápice da curva a velocidade é de 70,20 Km/h. Ao mesmo tempo, o gráfico informa a rotação que o motor estaria se estivesse em uma das seis marchas que esse veículo tempo. Para que o gráfico acima seja útil, é necessário ter conhecimento das características do trem de força desse veículo, mais especificamente, a curva potência/torque do motor.

Por exemplo, se a curva é de baixa velocidade, talvez contorna-la com uma marcha baixa demais pode tirar o motor da faixa de torque pleno fazendo este perder retomada. Caso a curva seja mais aberta, pode valer a pena contornar em uma marcha mais alta, porém isso depende bastante da relação. No caso do gráfico acima, o veículo do mesmo possui corte de giro em cerca de 8.500 RPM, muito provavelmente seu torque deve estar pleno entre 4.000 e 5.000 RPM. Então provavelmente a melhor marcha para esse caso seja a segunda, que encontra-se a pouco mais 4.700 RPM.

Contudo, segundo Segers (2008) a melhor forma de avaliar se uma relação de marchas está adequada as saídas de curva, primeiramente deve-se encontrar o RPM de cada marcha quando ocorre a máxima aceleração longitudinal. Em seguida, encontrar o RPM no momento de aceleração total da saída das curvas. Esta situação deve ser levemente abaixo da rotação para aceleração máxima. Caso não seja, as relações devem ser re-ajustadas.

Crédito foto: Autor.

No gráfico acima, verifica-se que a velocidade do motor quando o veículo está com máxima aceleração longitudinal dentro da curva é de 6.394 RPM. Na saída da curva, no momento em que o veículo permite que seja totalmente acelerado, a rotação encontra-se com 6.623 RPM, ou seja, mais que a rotação em aceleração máxima. Dessa forma, é interessante re-avaliar a relação de marchas utilizada, porém, antes de realizar essa atividade é importante que o chassi esteja bem balanceado e que deve-se ter em mente que, talvez o ganho nessa curva reduza o ganha em algumas outras curvas. Resta saber se vale a pena, na dúvida, sempre procurar acertar o carro primeiramente para a curva que desemboca na maior reta da pista.

Conclusão

Por fim, a conversa com o piloto sobre os dados de troca de marcha se resumem ao desempenho deste nos pontos de troca e na consistência destes, bem como na velocidade com que as marchas são trocadas. Sempre importante lembrar, que em caixas de marchas manuais, esse parâmetro está intimamente ligado a durabilidade do cambio.

Além disso, avaliar a consistência do piloto em manter suas trocas nos pontos certos e com a velocidade ideal, bem como a forma que o piloto executa o punta-taco, se é insuficiente ou exagerado.

Referências

  • Segers. J. Analisys Tequiniques for Racecar Data Acquisition, 1° Edição. Warrendale, PA. SAE International. 2008.

Software

  • Pi Toolbox.

Foto capa

  • https://www.architectmagazine.com/aia-architect/aiafeature/shifting-gears-in-todays-workforce_o