A Gasolina dos motores de combustão interna automotivos

A história dos motores de combustão interna girou em torno do que seria utilizado como combustível. Os automóveis pioneiros utilizaram formas de propulsão com variados tipos de combustível, como o pó de carvão, e até motores elétricos também integravam a cena dos primórdios dos automóveis no final do século 19. Contudo foi com a gasolina que o automóvel (e o motor de combustão interna) se tornou viável economicamente.

No fim do século 19 o petróleo cru tornou-se mais acessível e a gasolina, antes renegada apenas como um inútil subproduto da destilação do querosene, passou a ter grande importância para os empresário donos de refinarias de petróleo, pois ela se encaixava perfeitamente nos atributos que os automóveis da época precisavam para serem comerciais, ou seja, precisavam emitir menos poluentes, possuir tanques menores, desempenhar maior potência e consumir pouco combustível. A gasolina se encaixa nessas exigências pois é barata, possui alta densidade energética, e é de simples manipulação e transporte.

Alguns anos se passaram desde que Karl Benz apresentou o Motorwagen em 1886, e logo se percebeu que a gasolina precisava de algo mais para ser bem aproveitada nos automóveis. Por sua facilidade de ignição, o fenômeno conhecido como detonação (knock) era frequente e potencialmente destruidor para os motores da época.

Tanto marcas de automóveis quanto comitês e associações do meio automotivo realizaram estudos para resolução do problema de detonação da gasolina nos motores. Dois métodos de medição do poder antidetonante do motor foram criados para avaliação, os métodos RON – Research Octane Number e MON – Motor octane number.

A princípio, o método RON compara o número de octanos do combustível a ser estudado com um combustível obtido com misturas de isooctano (antidetonante) e n-heptano (detonante). Ambos são queimados em um motor CFR (Cooperative Fuel Research) que possui taxa de compressão variável desenvolvido pela Waukesha Motor (uma fabricante de motores estacionários ligada ao grupo GE). Enquanto o método MON utiliza-se do mesmo motor, entretanto, variando o ponto de ignição e a rotação do motor, sendo esta maior.

Mesmo assim, a grande solução para a detonação da gasolina surgiu durante a primeira guerra mundial, mas precisamente em 1921 quando a GM investiu na pesquisa de aditivos antidetonantes. Thomas Midgley e Thomas Boyd descobriram o simples e barato, mas tóxico, chumbo-tetra-etila (CTE). Se por um lado ele tornou-se um eficiente antidetonante (melhorando em cerca de 15-20% da eficiência térmica do motor em virtude da maior taxa de compressão), por outro era um composto tóxico capaz causar sérios danos cerebrais, além de – posteriormente – impedir o uso do conversor catalítico (catalisador) pois impede a reação dos compostos dos gases de escape com os compostos ativos do catalisador que neutralizam as emissões.

Embora o etanol já existisse como um possível aditivo antidetonante, seu custo ainda era alto, e o CTE continuava sendo a melhor opção. Mesmo com a grande utilização de etanol(como combustível) durante a segunda guerra mundial, a gasolina aditivada com CTE logo voltou a ser utilizada após o período. Contudo, nos anos 1970 a grande preocupação com as emissões veiculares pois um fim na utilização do CTE. Buscou-se então a utilização de álcoois e éteres.

No Brasil, a gasolina aditivada com CTE teve seu fim nos anos 1980, quando a gasolina passou a conter 20% de etanol(o máximo suportado pelos motores da época). Atualmente, a porcentagem é alterada de acordo com a Medida Provisória do Governo que adota valores entre 18-25% de etanol.

Neste artigo será exposto a forma de produção da gasolina, sua composição e propriedades para serem utilizadas nos motores de combustão interna automotivos.

Produção

A gasolina é um subproduto derivado do óleo cru (crude oil), ou simplesmente petróleo. O óleo cru contém diversas famílias de hidrocarbonetos. Basicamente, a gasolina é uma mistura de hidrocarbonetos, sendo naftênicos e aromáticos em maior quantidade, além de hidrocarbonetos parafínicos e olefínicos. Da extração do petróleo, obtém-se petróleos específicos como os naftênicos e os aromáticos.

O petróleo naftênico é o óleo cru no qual é extraída a gasolina por destilação, enquanto o petróleo aromático é o óleo cru no qual se extraem solventes e agentes antidetonantes, são mais difíceis de serem encontrados, portanto mais caros.

A gasolina é extraída do petróleo por destilação fracionada, mas o processo de craqueamento (craking) também é muito comum. Tudo depende do tipo de combustível que seja deseja obter. No caso da gasolina, a destilação fracionada do petróleo origina novos compostos hidrocarbonetos, sendo um deles o nafta.

O nome nafta origina do árabe naft, mas também há origem hebraica, o neft. É gerado a partir da destilação do petróleo quando uma de suas frações compreende a faixa de 25° a 250°C, sendo sua formulação química composta de 4 a 12 átomos de carbono, com sua utilização voltada para produção de gasolina, e também para alguns solventes.

O nafta também pode ser obtido através do craqueamento, sendo então chamado de nafta craqueado, e este possui algumas particularidades em relação ao nafta destilado. Neste caso, a nafta craqueada é obtida a temperaturas de 30° a 220°C, e sua gasolina contém frações de hidrocarbonetos parafínicos, olefínicos e aromáticos, sendo o maior percentual de compostos aromáticos. Deste processo se obtém um gasolina com octanagem mais elevada.

Composição

A gasolina é composta por diversos tipos de hidrocarbonetos (cerca de 400), os naftênicos são os que possuem maior porcentagem juntamente com os aromáticos. No entanto existem outros compostos não menos importantes tanto para seu processo produtivo quanto para seu desempenho durante a combustão dos motores. São eles:

Naftênicos – Cicloparafínicos – Naftalenos – Cicloalcanos

Possuem a seguinte estrutura química:

\[ C_{n}H_{2n} \]

Uma cadeia saturada (com todas suas ligações simples), estrutura de anel (estrutura cíclica), além da possibilidade de serem cadeia ramificada ou normal. Geralmente são encontrados compostos com 5 ou 6 carbonos.

Aromáticos

Sua estrutura molecular é composta de cadeia(s) fechada(s) de seis átomos de carbono. Contudo, possuem alternadamente ligações duplas, ao invés de apenas ligações simples como nos hidrocarbonetos naftênicos. Sua estrutura mais simples é o benzeno. Essa configuração possui fórmula molecular:

\[ C_{n}H_{2(n-3)} \]

que confere uma maior dificuldade para serem rompidos. Em virtude disso tornaram-se excelentes agentes antidetonantes a serem aditivados na gasolina.

Alcanos – Parafinas

Estruturalmente, as parafinas possuem fórmula:

\[ C_{n}H_{2(n+1)} \]

se organizam de maneira aberta e linear. As ligações de carbono podem ser ou não ramificadas, e se ligam a átomos de hidrogênio e carbono, mas sempre com ligações simples. Do petróleo se subtraem parafinas gasosas (1 a 4 carbonos), líquidas (5 a 17 carbonos) e sólidas (acima de 18 carbonos). A parafina confere a gasolina um certo poder lubrificante e antioxidante. Este, por ser apolar e evitar a aproximação de água.

Olefinas – Alcenos – Alquenos

A estrutura das olefinas é:

\[C_{n}H_{2n}\]

possui uma ou duas ligações duplas entre carbonos. São de cadeias abertas e caracterizam-se por terem a quantidade de hidrogênio duas vezes maior que a de carbonos. Curiosamente, sua estrutura molecular é a mesma dos compostos naftênicos, e também possuem elevada octanagem. Contudo, por vezes são retiradas devido a sua propensão a ácumular compostos poliméricos nos depósitos, tanques de combustível dos carros, dutos e válvulas injetoras.

Propriedades

Os combustíveis derivados do petróleo possuem propriedades importantes para o bom desempenho dos motores de combustão interna. No caso da gasolina, suas principais propriedades são as seguintes:

Índice de octano (Octanagem)

Trata-se da resistência do combustível, neste caso a gasolina, a auto ignição ou a capacidade do combustível resistir a compressão do motor sem entrar em combustão espontânea. Combustão essa que chamamos de detonação.

Quando o combustível é queimado dentro da câmara de combustão são desencadeadas diversas reações químicas com as moléculas de combustível e de ar. Caso essa reação se der naturalmente, ela é chamada de combustão, quando não, chamamos de detonação. Fenômeno no qual o combustível entre em ignição espontânea fora tempo de combustão do motor. Contudo a queima do combustível é influenciada pela estrutura química de seus componentes, ou seja, quanto mais fortes forem as ligações químicas entre as moléculas do combustível, maior será a resistência do combustível a detonação. Então, quando maior o número de cadeias ramificadas, ligações duplas, cadeias aromáticas e quanto mais longas forem as cadeias carbônicas, maior será a dificuldade dessas ligações se romperem, maior será a taxa de compressão a ser utilizada no motor, e finalmente, melhor será a performance deste.

É de conhecimento que durante os primeiros quilômetros de utilização de um veículo recém fabricado o motor não possui ainda o perfeito assentamento de válvulas e anéis de segmento, bem como ainda não há formação de resíduos da combustão dentro da câmara de combustão. Assim é normal que após determinada quilometragem, geralmente 5.000 a 10.000 km, o motor apresente uma ligeira diferença em sua performance e consumo de combustível. Isto se deve ao acontecimento dos eventos acima citados, o que leva a conclusão de que um motor requer maior octanagem do combustível quando atingida certa quilometragem, pois os depósitos de resíduos da combustão que ficam nas paredes da câmara acabam por elevar a pressão dentro da mesma, além de dificultar a transferência de calor para a parede da câmara. O combustível, portanto, precisará ter maior temperatura de auto ignição, logo maior octanagem.

Volatilidade

Trata-se da facilidade que o combustível tem de passar do estado líquido para o estado vapor. Esta propriedade afeta o combustível por toda sua rotina dentro de um automóvel, da sua armazenagem no tanque passando pelos dutos até os bicos ou carburador, e finalmente na sua mistura com ar para ser queimado dentro câmara de combustão. Existem dois parâmetros importantes que determinam a volatilidade da gasolina, a destilação e a pressão de vapor de Reid (PVR).

A destilação é processo no qual através de uma mistura líquida pode se separar seus componentes caso estes possuam volatilidades diferentes. Com a gasolina não é diferente, por ser uma mistura de diversos naftas, a gasolina pode ter seus compostos evaporados a partir de determinada de temperatura. Esta temperatura inicial é chamada, ponto inicial de evaporação (PIE), e a temperatura final, é chamada de ponto final de evaporação (PFE). Para a gasolina a PIE é 36°C e sua PFE é 215°C.

Uma curva de destilação é feita através do ensaio de destilação para o intervalo de temperatura de PIE e PFE da gasolina, e dessa curva mais três pontos são especificados como importantes, aonde há 10%, 50% e 90% dos compostos do combustível evaporados. São chamados de pontos T10, T50 e T90.

A pressão de vapor é pressão exercida pelo vapor quando este se encontra em equilíbrio termodinâmico com líquido no qual foi originado. A quantidade de líquido evaporado é igual a quantidade de líquido condensado. Trata-se de um parâmetro muito ligado a temperatura, e a partir da pressão de vapor que é determinado a tendência a evaporação da gasolina. A medida que a pressão de vapor aumenta, a volatilidade aumenta e a temperatura de ebulição reduz.

Este parâmetro é determinado de forma regional e sazonal, pois sofre variação de acordo com o clima no qual o veículo será utilizado. Enquanto a pressão de vapor é determinada pelo método Reid, sendo originado deste o nome pressão de vapor de Reid.

Destilação e pressão de vapor da gasolina são alteradas de forma a adequar o combustível as diferentes necessidades do motor quanto a mudança de clima. Para o motor, a resposta é obtida através da curva de destilação. A partir dessa curva é determinado pontos importantes para a pressão de vapor e para a destilação. Os pontos de temperatura igual a 70°, 100° e 150°C referem-se respectivamente a:

  • 70 – Temperatura no qual abaixo desta o combustível deve estar suficientemente evaporado para uma eficiente partida a frio, e a partir desta o combustível deve estar suficientemente evaporado para uma eficiente fase quente;
  • 100 – Temperatura no qual o combustível deve estar suficientemente evaporado para desempenhar bom aquecimento e respostas rápidas ao pedal do acelerador;
  • 150 – Temperatura no qual o combustível deve ter sua porcentagem de evaporação adequada para reduzir a contaminação do óleo lubrificante pelo combustível;

Existem também pontos referentes a porcentagem de evaporação de combustível, estes, referentes a destilação do mesmo:

  • T10 – Ponto no qual é indicado a quantidade de componentes que evaporados, facilitam a partida a frio;
  • T50 – Ponto no qual é indicado o desempenho da gasolina na aceleração em fase de aquecimento;
  • T90 – Ponto no qual é indicado os últimos componentes do combustível que são evaporados, está relacionado ao consumo de combustível, diluição do lubrificante e depósitos de resíduos da combustão na câmara.

Teor de Enxofre

É durante os primeiros momentos de funcionamento do motor que gases nocivos são expulsos no tempo de escapamento. Muitos desses gases são SO3 e SO2 derivados de pequenas quantidades de enxofre ligadas a alguns hidrocarbonetos do combustível. Com a melhoria contínua dos combustíveis o nível de enxofre segue reduzindo para atender as exigências ambientais, estando atualmente em 50 ppm. Isso tem sido obtido com o hidrotratamento da gasolina, um processo de refino do petróleo, no qual o hidrogênio é inserido sob determinada pressão e temperatura durante a destilação do petróleo. Uma das reações que compõem o hidrotratamento, é a dessulfurização, um processo catalítico para remover o enxofre. Com isso, o teor de olefinas é reduzido, e esta por conceber a gasolina elevada octanagem, é necessário a adição de compostos aromáticos visando “repor” a octanagem perdida e mantendo a gasolina conforme especificação.

Poder Calorífico

É a quantidade de energia por unidade de massa de um combustível após sua oxidação. Entretanto, existem duas formas de considerar o poder calorífico, são o poder calorífico superior (PCS) e o poder calorífico inferior (PCI).

  • PCS – Soma da energia liberada em forma de calor e energia gasta na vaporização da água que se forma na combustão da gasolina;
  • PCI – Energia liberada em forma de calor.

O poder calorífico poder ser referido por unidade mássica ou volúmica, MJ/kg ou MJ/m³ respectivamente, sendo que se tratando de motores de combustão interna, onde o combustível será misturado ao ar atmosférico, a melhor utilização fica por conta da unidade volúmica.

Outro fator relevante, é que o poder calorífico da mistura é diferente do poder calorífico do combustível por si só, logo o que é levado em conta é o poder calorífico da mistura. Assim, mesmo a gasolina tendo um poder calorífico de cerca de 44 MJ/kg, esta é aditivada com álcool etílico anidro(22%) de PCI igual 26 MJ/kg, resultando em um gasolina com 39,9 MJ/kg de poder calorífico, para então ser misturada ao ar dentro do motor e gerar um mistura de pouco mais de 3,5 MJ/m³.

Para motores de combustão interna, que funcionam expelindo gases de escape a elevadas temperaturas, o de PCI é mais importante. Este valor é obtido pela subtração do calor latente de vaporização da água do PCS, ou seja, a diferença entre o PCS e o PCI é o calor latente de vaporização da água.

Estabilidade à oxidação

A resistência do combustível a oxidação durante sua estocagem, seja ela em depósitos nas refinarias ou no tanque de combustível do automóvel, é chamada estabilidade a oxidação. Essa estabilidade é prejudicada por fatores externos como temperatura e a luz, contato com metais ou mistura com gasolina já oxidadas.

O processo de oxidação é desencadeado por hidrocarbonetos insaturados que já são predispostos a oxidação, e formam substâncias viscosas e vernizes, as chamadas gomas. Estas por sua vez causam um rastro de problemas por onde passam, contaminando as paredes das tubulações do sistema de alimentação e nos coletores de admissão, travando válvulas e bicos injetores prejudicando a dirigibilidade do veículo, consumo de combustível e emissões de poluentes.

A goma possui longa cadeia hidrocarbônica que se forma através da reação de radicais livres do tipo peróxido, e então geram diversas reações de polimerização. A prevenção é feita por meio de aditivos, seja para a gasolina depositada nas refinarias (fenileno-diaminas e alquil-fenóis) ou a gasolina abastecida no automóvel (polibutenoaminas e polieteraminas).

Referências

  • BOSCH, Robert, Manual de Tecnologia Automotiva. 25.ed. Edgard Blücher LTDA, 2004. 1231p;
  • CHOLLET, H. M., Curso Prático e Profissional para Mecânicos de Automóveis: O motor e seus acessórios, Lausanne, Hemus, 1996. 402;
  • B. HEYWOOD, John, Internal Combustion Engine Fundamentals, United States of America, McGraw-Hill, 1988. 930p.