Preparação do piloto para um fim de semana de corrida: Análise da direção

O sistema de direção é uma das ferramentas que o piloto possui para conduzir o automóvel. É através do volante de direção que o piloto provoca o ângulo de deslizamento das rodas, dessa forma fazendo com que o veículo possa acelerar não apenas longitudinalmente, mas lateralmente. Entretanto, a forma como todo esse processo é realizado pelo piloto depende de vários fatores, mas podemos resumir estes a dois, o carro e o piloto.

O objetivo deste artigo é apresentar a aquisição e análise dos dados de direção captados pelo data logger e como estes podem ser utilizados para auxiliar o piloto. A análise de dados focada na melhoria do piloto tem como objetivo avalia-lo em três quesitos:

  1. Traçado;
  2. Suavidade;
  3. Preferências

Traçado

Atualmente existem diversas formas de analisar o traçado admitido pelos pilotos, em geral os métodos mais comuns são:

  • Aquisição e análise de dados;
  • GPS;
  • Vídeo.

O ideal é que todos os três métodos sejam utilizados. Contudo, a disponibilidade dessas ferramentas varia entre as categorias do automobilismo. No geral, a maioria destas permite o uso de sistemas de aquisição de dados, e é por este que começa a análise da condução do piloto. Na determinação do traçado que um piloto está utilizando são necessários os seguintes canais de dados:

  • Velocidade;
  • Aceleração lateral;
  • Sensor de Yaw;
  • Potenciômetros da suspensão;
  • Velocidade (Fonte: GPS, em função da distância percorrida).

Sequência para contorno de curvas

Antes de entender o uso dos canais de informação do data logger e o desenvolvimento das equações matemáticas necessárias, é importante compreender os básicos de curva. Existe um procedimento quase universal para que se possa contornar uma curva da forma mais rápida possível, são os três passos fundamentais.

O primeiro passo é o ponto de freada até o ponto de entrada da curva. Trata-se da primeira sessão de uma curva, o piloto executa a freada em linha reta, até que começa a girar o volante para entrar na curva. Ao mesmo tempo, o piloto alivia progressivamente a força sobre o pedal de freio para equilibrar o carro.

O segundo passo é o ponto de entrada até o ápice da curva. Nesta fase o piloto já encontra-se dentro da curva, porém dirigindo-se até o ápice. Nesta sessão da curva algumas características podem ser observadas:

  1. O ápice é o ponto de menor velocidade dentro da curva;
  2. O ápice é o ponto no qual a maior aceleração lateral é experimentada pelo veículo e piloto;
  3. O ápice é o ponto de maior esterçamento do volante, consequentemente, das rodas;
  4. O ápice é o ponto no qual ocorre a menor manifestação da aceleração longitudinal dentro da curva.

O terceiro passo é a saída de curva. Nessa fase o piloto começa o procedimento para deixar a curva. A aceleração é retomada o mais rápido possível, porém isso vai depender da técnica do piloto e do balanço do veículo. Além disso, é nessa sessão da curva que a aceleração longitudinal volta a crescer e a aceleração lateral começa a diminuir.

Raio de curva

Os pilotos de corrida devem contornar as curvas da pista da forma mais rápida possível, essa velocidade é determinada por dois fatores, o equilíbrio do veículo e a técnica do piloto em encontrar grip suficiente para contornar a curva na maior velocidade possível. Esse é o motivo pelo qual, os pilotos quando não estão em disputa por posição, costumam tomar o traçado mais externo do circuito, pois para entrarem na curva com a maior velocidade possível, devem percorrer um arco o maior raio possível. Isso se chama corner radius ou raio de curva, e é dado pela seguinte relação:

R=V2GLAT

Na relação assim, é possível visualizar que o raio de curva é proporcional ao quadrado da velocidade e inversamente proporcional a aceleração lateral. Por esse motivo, uma curva com raio muito pequeno é contornada com acelerações laterais muito elevadas, ou seja, quando o R for mínimo, Glat será máximo.

Curvatura

Foto: autor.

A curvatura é uma informação complementar ao raio de curva, que se utilizada junto a esta e a informação de velocidade, permite que o engenheiro de dados visualize detalhes como, ponto de entrada da curva, velocidade de entrada, o ápice e a saída da curva. Através destes é possível concluir se o piloto entrou muito rápido na curva já buscando o ápice no início desta, ou se carregou mais velocidade para dentro buscando um ápice tardio, ou até mesmo se o piloto buscou o ápice da curva no meio desta, entrando com velocidade moderada. Tudo isso é possível de se visualizar no gráfico de curvatura através da inclinação da curva do canal curvatura. O ponto de inflexão da curva seria seu ponto de maior esterçamento, ou seja, o ápice da curva. Por fim, o início e o fim da curva do canal curvatura indicam o ponto de entrada e o ponto de saída da curva.

Aquisição dos dados de Raio de curva e Curvatura

As equações referentes aos parâmetros raio de curva e curvatura podem ser programadas no software de análise de dados, basta saber qual a linguagem de programação que o software usa. Cada software utiliza sua linguagem própria. O software utilizados nos exemplos deste artigo é Cosworth Pi Toolbox.

Para análise do raio de curva utiliza-se os seguintes canais, velocidade e aceleração lateral, o código para o parâmetro raio de curvatura é:

sqrt(pow((pow([speed]/3.6 , 2)) / ([accel y]*9.81) , 2))

Onde “sqrt” é a função de raiz quadrada, “pow” é uma função responsável pela potenciação do primeiro termo entre parênteses pelo segundo termo desta, que é a potência. A velocidade é um canal que informa a velocidade do veículo km/h, a aceleração lateral em G e o resultado final será em metros (m).

Com base na equação acima, a programação do parâmetro curvatura é dado seguinte código:

1 / [Corner Radius]

Essa equação resultará no parâmetro de curvatura, com unidade de 1/m.

Análise dos dados de Raio de curva e Curvatura

Os parâmetros Raio de Curva e Curvatura são utilizados para avaliar a abordagem do piloto no momento de contornar uma curva. Um dos detalhes que possível visualizar com essas informações é o ápice (ou apex, em inglês). Este é o ponto no qual o carro passa sobre a parte mais interna da curva, e pode atingido de três formas diferentes. São estas:

  • Mid apex;
  • Early apex;
  • Late apex.

Mid apex

O “X” indica o ápice da curva, encontrado logo no meio da curva, caracterizando o mid apex. Foto: Autor.

Trata-se do traçado que o piloto toma em uma curva no qual o ápice da curva é atingido na sessão central da curva. Segundo Segers (2008), considerando uma pista de largura constante, um raio de curva constante significa um ápice atingido no meio de uma curva.

Na foto vemos que a região A, que é a primeira metade da curva possui 96,822 m.
Foto: autor.

 

A zona hachurada representa a metade final da curva, esta é composta por 97,900 m. Aproximadamente igual a primeira região, caracterizando o mid apex.
Foto: autor.

Plotando um gráfico de linha em função da distância, utiliza-se os canais raio de curva e curvatura. Como é possível visualizar no gráfico, A e B são aproximadamente iguais.

Pontos que identificam o ápice de uma curva.
Foto: autor.

A linha que intersecciona as curvas passa sobre pontos que provam ser o ápice da curva, por exemplo, na curva de velocidade, a linha passa sobre o ponto de menor velocidade, na curva de aceleração lateral, a linha passa sobre o ponto de maior aceleração lateral. Na curva de ângulo de giro da direção, a linha passa sobre o ponto de maior ângulo do volante. Todos esses fatores acima caracterizam o momento no qual o veículo encontra-se no ápice da curva.

O ápice encontrado no meio da curva é muito utilizado em curvas nas quais o raio é constante, esse tipo de ápice permite equilibrar as velocidades de entrada e saída das curvas, Segers (2008) afirma que o mid apex é muito útil para maximizar a velocidade em linha reta sem prejudicar as saídas de curva.

Early apex

Trata-se do procedimento de encontrar o ápice da curva cedo, logo na entrada da curva. O early apex ou ápice breve é detectado nos gráficos com a curva de corner radius (raio de curva) com a seguinte característica:

Foto: Autor.

No gráfico acima, assim como no gráfico anterior, comparou-se as distâncias A e B, verificando que no caso do ápice atingido brevemente, A será maior que B. O ápice no gráfico é encontrado da mesma forma conforme demonstrado anteriormente , ou seja, o ponto com menor raior de curva, menor velocidade, maior força G lateral e maior ângulo de esterçamento do volante. Logo, utiliza-se os canais referentes a esses parâmetros.

O early apex é um caso no qual o piloto busca reduzir o raio de curva logo no começo desta. Em geral essa abordagem acaba prejudicando a velocidade nas saídas de curvas, pois o piloto precisa compensar o aumento da aceleração lateral na saída da curva esterçando ainda mais o volante. Consequentemente, a velocidade nas saídas de curva é prejudicada.

Essa abordagem é geralmente utilizada em curvas de raio crescente (Segers, 2008), ou em sequências de curvas para o mesmo lado. Contudo, se utilizada de forma descabida, em curvas que levam a uma grande, pode prejudicar drasticamente o tempo de volta.

Late apex

O ápice tardio é um procedimento para contornar curvas de forma a buscar o ápice na sessão final da curva.

Foto: Autor.

Como se pode observar no gráfico, a curva do corner radius mostra que o raio de curva mínimo é obtido logo no começo da curva, ou seja, para um ápice tardio, o piloto está experimentando a maior aceleração lateral na zona entre a entrada da curva e sua sessão intermediária, como nesse ponto a velocidade é menor, o gráfico do raio de curva para ápice tardio é inclinada a esquerda. O piloto gira o volante mais no início e na parte intermediária da curva. Somente após atingir o ápice na sessão final da curva, que o piloto começa a aliviar o giro do volante, buscando utilizar o máximo de espaço possível da pista.

De certa forma, o fato do piloto esterçar mais as rodas no início da curva permite que o carro esteja bem posicionado para a curva seguinte, estando portanto, em posição de acelerar para a saída (Segers, 2008). Percebe-se que, como a aceleração predominante no início da curva era a aceleração lateral, após o ápice, a aceleração longitudinal passa crescer, enquanto que a carga lateral diminui. Assim sobra mais grip disponível nos pneus para lidar com a aceleração para frente.

Em geral, os pilotos utilizam o late apex em casos de sequências de curvas para lados diferentes e curvas de raios decrescentes, ou seja, a conhecida curva perigosa das estradas, onde esta vai se tornando “fechada” a medida que a contorna. O ápice tardio acaba posicionando melhor o carro na saída da curva, mas para preparar este para uma próxima curva. Contudo, acaba perdendo muita velocidade nas saídas de curvas.

Determinando o traçado correto

Com as informações dos parâmetros raio de curva, curvatura e suavidade de direção, é possível avaliar o traçado que o piloto está tomando. Para entender melhor a utilização desses dados, vamos tomar como exemplo dois stints de sete voltas realizado por um carro da categoria Gran Turismo no autódromo de Interlagos. Para facilitar a compreensão e agilizar a análise serão analisados apenas as melhores voltas de cada piloto. Segue abaixo os tempos de volta obtidos por cada piloto:

O bloco de voltas da esquerda será representado pela linha vermelha nos gráficos, enquanto que o bloco de voltas da direita será representado pela linha preta, no gráficos a seguir. Repare, que as voltas hachuradas são as voltas mais rápidas registradas por cada piloto e estas é que serão analisadas.
Foto: autor.

Na imagem acima observa-se um pequeno resumo das voltas registradas por cada pilotos em seus stints, a análise será feita em cima da melhor volta de cada piloto. No caso em questão, o piloto da esquerda obteve a volta mais lenta, com 98,860 s (segundos) e o piloto da direita obteve 97,682 s.

Canais na ordem: Pressão dos freios dianteiros, velocidade da roda dianteira esquerda, raio de curva e curvatura.
Foto: Autor.

As voltas vistas na foto tiveram suas informações plotadas no gráfico acima, o primeiro detalhe que, geralmente, indica uma volta mais rápida que a outra são picos das curvas do parâmetro Curvatura. É possível reparar, que a linha da volta mais rápida, a preta, possui picos levemente menores. Isso significa que o piloto que realizou a volta mais rápida contornou as mesmas curvas com raios de curva levemente maiores. Além disso, é possível notar também, que o piloto referente a linha preta freia um pouco mais distante e menos do que o piloto representado pela linha vermelha, contudo os pilotos buscam o apex das curvas quase que no mesmo lugar, porém o piloto mais rápido contorna com raios de curva ligeiramente maiores.

O traçado admitido pelo “preto” é mais curto e pode ser um dos motivos de ter sido mais rápido. Entretanto, é importante lembrar que, existem outras variáveis que influenciam nesse caso.  Por exemplo, ampliando o gráfico acima, é possível perceber que o piloto referente a linha preta, entre freia e entra nas curvas antes do piloto da linha vermelha.

Foto: Autor.

Na foto acima, percebe-se que a zona hachurada mostra a diferença entre as linhas preta e vermelha do primeiro gráfico, que é o de pressão dos freios dianteiros. A diferença entre os pontos de freada entre os dois pilotos é de 9,811 m, uma diferença significativa, visto que trata-se de uma sessão de alta velocidade que resulta na freada para a primeira perna do S do Senna, em Interlagos.  É possível reparar também, que as curvas de raio de curva e curvatura aparecem levemente antes das respectivas para a linha vermelha. Isso mostra que o pilotos que executou a volta mais rápida negociou melhor a primeira perna do S, freando e entrando nesta antes.

Entretanto, é importante entender que essas interpretações acerca dos gráficos de curvatura e raio de curva estão facilmente suscetíveis a equívocos devidos a problemas com o acerto do veículo, deixando este desbalanceado e provocando comportamentos inesperados nas curvas,  erros de trajetória ou diferentes traçados admitidos pelo piloto que podem provocar variações na distância da volta, e consequentemente, no tempo de volta. Por esse motivo, é comum analisar o traçados com dados suplementares, como o GPS e os sensores de deslocamento da suspensão.

Pode parecer estranho, mas através de sensores que monitoram os movimentos da suspensão é possível detectar as irregularidades da pista, de forma que utiliza-se estas como pontos de marcação da trajetória, verificando as diferenças de traçado admitidas pelo piloto com maior precisão.

Foto: Apostila Data Acquisition Course. Jorge Segers, 2019.

No gráfico acima é possível visualizar que os bumps estão defasados em 6m, isso sugere que o carro referente a linha vermelha está com alguma imprecisão ou que o pilotos cometeu algum erro resultando em uma trajetória maior. Na realidade, a diferença entre os dois carros é bem menor do que o gráfico sugere. Nesses casos, a utilização do GPS para verificar o ponto onde houve a falha que resultou nessa defasagem é bastante útil.

Steering smoothness

No gráfico acima vê-se duas curvas, o ângulo de giro do volante, acima e o steering smoothness, abaixo. Este canal mostra como o piloto age sobre o volante. Picos muito elevados denunciam uma ação muito brusca sobre o volante, podendo perturbar o carro. Foto: Autor.

Após toda análise de traçado e certificado de que o melhor e mais rápido traçado possível está definido, e caso os tempos de volta não tenham melhorado, é interessante verificar um parâmetro chamado, Steering Smoothness ou Suavidade de Direção. Trata-se de um parâmetro que mostra o quão bruscos são os comandos do piloto sobre o volante.  A suavidade com que o piloto aciona o volante é, basicamente, a velocidade de acionamento do volante.

Para obter o canal steering smoothness utiliza-se o canal do ângulo de giro do volante para diferencia-lo no tempo e obter a velocidade de acionamento do volante em graus por segundo (°/s), ou seja, trata-se de uma velocidade angular. No software Pi Toolbox, usado neste e em diversos artigos desse site por ser bastante didático, o código de programação para o canal  steering smoothness é dado por:

gate(fabs([a_steer])>10 , fabs([a_steer] – [a_steer_f50]))

O termo gate é uma função do Pi Toolbox  que retorna o valor do segundo parâmetro dentro do parentese de acordo com o valor do primeiro termo dentro dos mesmos parênteses. Nesse caso é o valor absoluto da posição angular do volante, pois, em geral, o lado esquerdo são os valores de ângulos negativos e o lado direito é dado por ângulos positivos. Caso o valor absoluto (fabs) seja maior que 10, o valor absoluto da diferença entre [a_steer] e [a_steer_f50] é mostrado no gráfico. O objetivo dessa função é reduzir o processamento onde não é necessário, em retas, por exemplo.

É importante atentar para o código acima, pois há dois parâmetros, um deles é própria posição angular do volante e o outro, o a_steer_f50. Este parâmetro é programado pelo seguinte código:

movaverage([a_steer] , 0.5 , ignore)

Nesse código o termo movaverage é uma função do Pi Toolbox que aplica um filtro aos valores de posição angular, fazendo uma média deste a a cada 0,5s.

A velocidade de acionamento do volante é um parâmetro que mede a habilidade do piloto em gerenciar a transferência de carga lateral do veículo. Para Segers (2008), respostas muito rápidas do volante podem provocar perturbações no balanço do carro.

Conclusão

Assim como a aceleração e a frenagem, o controle do volante tem uma grande importância na forma como o veículo responde. Basicamente, carros de competição respondem aos comandos do volante conforme estes forma realizados. A aquisição e análise de dados da direção visa analisar brevemente o traçado que o piloto está tomando, através de canais como raio de curva e curvatura, e mais importante, a suavidade e a consistência dos comandos aplicados ao volante.

O controle da direção é uma variável crítica pois lida com a transferência de carga lateral do veículo, e esta tem grande importância no desempenho deste em curvas.

Referências

  • Segers. J. Analisys Tequiniques for Racecar Data Acquisition, 1° Edição. Warrendale, PA. SAE International. 2008.

Sotware utilizado

  • Cosworth Pi Toolbox.

Foto de capa

  • Crédito: https://www.pinterest.se/pin/217791331965213562/