Engenharia Automotiva na Itália – Parte 2: Passar é uma coisa, cursar é outra…

Olá, pessoal! Aqui é o Anderson, engenheiro mecânico, mestre em Engenharia Automotiva e atualmente doutorando na Itália. Este é o segundo capítulo da série em que compartilho minha trajetória até chegar aqui.

No artigo anterior contei como tudo começou: desde os primeiros passos na Universidade Federal do Ceará, a descoberta da pesquisa acadêmica e o momento em que meu professor Rômulo me enviou o edital de um curso que reacendeu meu sonho de trabalhar com carros de alta performance e, quem sabe, Fórmula 1.

Hoje, vou falar sobre a fase seguinte: o processo de inscrição, os desafios para conseguir bolsa, as dificuldades com o visto em plena pandemia e as primeiras semanas na Itália. Uma fase que me mostrou, na prática, que passar em um curso é uma coisa, mas conseguir de fato cursá-lo é outra completamente diferente.

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O processo de inscrição: currículo, entrevista e dúvidas

Quando descobri o curso em Modena, sabia que a seleção seria rigorosa. A primeira etapa era uma análise curricular, seguida por entrevista em inglês. Confesso que fiquei inseguro: nunca fui o melhor aluno em provas tradicionais, mas já tinha dois artigos publicados, experiência em pesquisa e uma boa base acadêmica.

Reuni toda a documentação – histórico, certificados, artigos, cursos complementares – e enviei. Para minha surpresa, passei na primeira fase. A ficha caiu: eu realmente tinha chance de conquistar aquela vaga.

A segunda etapa era a entrevista, e eu sabia que precisava estar preparado. Contratei um professor de inglês, que me treinou durante um mês inteiro em sessões intensivas. Foram horas e horas simulando perguntas, corrigindo respostas e ajustando meu discurso. Quando o dia chegou, estava nervoso, mas confiante.

A entrevista aconteceu de madrugada, pelo fuso horário: quatro ou cinco da manhã no Brasil, equivalente a oito ou nove horas na Itália. Foram apenas 15 minutos, mas que pareciam uma eternidade. No final, uma pergunta ficou marcada:

“Você não acha que deveria ter aplicado para um doutorado?”

Na hora, respirei fundo e respondi que sim, eu tinha interesse em continuar até o doutorado, mas que aquele curso estava completamente alinhado com meus objetivos profissionais. Foi uma resposta que agradou ao avaliador, mas dentro de mim ficou uma pulga atrás da orelha: será que eu sabia mesmo no que estava me metendo?

Dias depois recebi o resultado: estava aprovado em primeiro lugar no curso de Advanced Automotive Engineering, com especialização em Racing Car Design. O sonho estava cada vez mais próximo.


A corrida pela bolsa de estudos

Passar na seleção foi apenas o primeiro passo. O desafio seguinte era garantir uma bolsa de estudos, já que me sustentar na Itália com meus próprios recursos seria inviável.

O edital indicava bolsas para alunos em situação de vulnerabilidade financeira – e eu me encaixava perfeitamente. Mas o processo burocrático era gigantesco. Precisava comprovar renda de toda a minha família, traduzir documentos, juramentar, apostilar e enviar tudo em prazos curtos.

No meio da pandemia, isso foi um verdadeiro pesadelo. As embaixadas estavam fechadas, respostas demoravam semanas e a ansiedade só aumentava. Felizmente, encontrei ajuda em uma tradutora juramentada chamada Erika, que me orientou sobre cada documento necessário.

Enquanto isso, já havia recebido confirmação de alojamento estudantil em Modena, mas o resultado final da bolsa só sairia em dezembro – dois meses após o início oficial das aulas. Era um risco enorme: eu poderia começar o curso, mas sem garantia de como me manter até o fim.


O drama do visto: aprovado e negado

Paralelamente à bolsa, precisei lidar com o processo de visto. A embaixada exigia documentos diferentes daqueles da bolsa: enquanto para a bolsa era importante mostrar que eu não tinha dinheiro, para o visto era preciso provar exatamente o contrário – que eu tinha condições financeiras para me manter na Itália.

Resultado: meu primeiro pedido de visto foi negado. O desespero foi total, já que faltavam apenas três semanas para o início das aulas. Foi então que um tio meu entrou em cena, oferecendo seus documentos de imposto de renda para assumir a responsabilidade financeira. Isso salvou minha aplicação.

Mesmo assim, o processo atrasou tanto que perdi as primeiras aulas do semestre. Só no final de outubro consegui finalmente embarcar rumo à Itália.


A chegada à Itália em plena pandemia

Chegar à Itália foi outro choque. Eu não sabia bem para onde estava indo, estava enferrujado no italiano e carregava o medo de enfrentar o desconhecido. Além disso, por conta das regras sanitárias, precisei cumprir 15 dias de quarentena em um Airbnb afastado da cidade de Modena.

Com pouco dinheiro no bolso, tive que me virar: o táxi do aeroporto consumiu quase metade do que eu tinha, e os dias de quarentena foram marcados pela incerteza. Para piorar, meu Airbnb venceu antes de eu conseguir o documento oficial de saúde, e acabei ficando literalmente na rua por algumas horas até encontrar outro lugar para ficar.

Quando finalmente consegui o Green Pass (documento sanitário exigido na época) e me mudei para o alojamento estudantil, outro problema surgiu: sem o permesso di soggiorno (autorização de residência), eu ainda não tinha o direito de morar oficialmente ali. Mais uma maratona burocrática em cartórios e correios, com gastos extras, até regularizar minha situação.

No fim, só após dois meses e meio de aulas perdidas consegui de fato começar o curso presencialmente.


As primeiras cadeiras e o impacto da realidade

Mesmo chegando atrasado, tive contato com disciplinas fascinantes. Uma delas, Conceptual Design, era ministrada por um engenheiro da Ferrari, diretamente da fábrica. Também cursei Materials and Manufacturing e Mechanical Vibrations, que foi uma das mais difíceis até então.

O impacto era enorme: professores vindos da indústria, aulas conectadas com a realidade das grandes marcas italianas e um ambiente acadêmico altamente competitivo. De repente, a pergunta feita na entrevista começou a fazer sentido: será que eu estava realmente preparado para estar ali?

A cada dia entendia mais o peso daquela frase que ficou comigo: “o problema dos sonhos é que eles se realizam”.


Conclusão: entre sonho e realidade

Essa fase da minha vida foi marcada por contrastes. Ao mesmo tempo em que estava realizando o sonho de estudar Engenharia Automotiva na Itália, vivia o que considero o período mais difícil da minha vida. Foram meses de ansiedade, incertezas, burocracia e noites mal dormidas.

Mas também foi um momento de crescimento. Descobri que não basta sonhar: é preciso estar disposto a enfrentar o caos, a burocracia, a insegurança e até mesmo a solidão que muitas vezes acompanham quem decide buscar algo tão grande.

Na próxima parte da série, vou contar sobre como foi mergulhar definitivamente no curso, as diferenças do sistema de ensino e o que aprendi sobre engenharia de alta performance diretamente no coração da indústria automotiva italiana.