Engenharia Automotiva na Itália – Parte 3: O problema dos sonhos é que eles se realizam

Olá, pessoal! Aqui é o Anderson novamente, e hoje trago mais um capítulo da minha série sobre a experiência de estudar Engenharia Automotiva na Itália. No episódio anterior contei sobre o processo seletivo, a aprovação em primeiro lugar no curso de Advanced Automotive Engineering em Modena e os desafios de visto, bolsa e chegada em plena pandemia.

Agora, começo a narrar o que aconteceu depois que finalmente me sentei em uma sala de aula italiana. O título resume bem: o problema dos sonhos é que eles se realizam.


O início das aulas com atraso

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Por conta de toda a burocracia com visto e documentos, cheguei à Itália com dois meses de atraso. O ano letivo já tinha começado em setembro, mas só em novembro consegui assistir às primeiras aulas presenciais, sempre de máscara, em auditórios lotados.

As três disciplinas iniciais foram:

  • Mechanical Vibrations
  • Materials and Manufacturing
  • Vehicle Conceptual Design (ministrada por um engenheiro da Ferrari, direto da fábrica).

A diferença em relação ao Brasil era brutal: aulas longas, em inglês, com centenas de slides por semana e exigências altíssimas. Eu ainda estava me adaptando ao idioma, ao método de ensino e ao ritmo de estudos europeu, o que tornou tudo ainda mais pesado.


O choque acadêmico

Logo percebi que havia entrado em um ambiente de competição extrema. Professores despejavam 150–200 slides em uma única aula, que depois se transformavam em provas exigentes.

  • Em Materials and Manufacturing, os cálculos envolviam custos de produção, lotes e processos industriais.
  • Em Mechanical Vibrations, além de prova escrita, havia uma avaliação teórica em que era preciso decorar e reproduzir todas as fórmulas do professor.
  • Já em Conceptual Design, as provas eram baseadas em questões de múltipla escolha retiradas de slides e provas antigas.

Eu não estava acostumado a esse estilo de ensino, que exigia mais memorização do que aprendizado profundo. No Brasil, sempre busquei compreender os conceitos de verdade; ali, a pressão era para decorar rapidamente e entregar resultados.


A primeira grande derrota

As provas chegaram logo em dezembro. Tentei estudar o conteúdo de três meses em apenas um. O resultado não poderia ser diferente: fui mal na primeira avaliação. Tirei 12 pontos de 30 possíveis em Manufacturing.

A nota mínima para aprovação era 18. Aquilo foi um choque psicológico enorme. Sempre fui exigente comigo mesmo, e falhar logo na largada me jogou em uma crise de ansiedade.

Por outro lado, descobri algo positivo: na Itália, o sistema permite repetir provas quantas vezes for necessário. Diferente do Brasil, onde a reprovação pode atrasar anos, ali havia a possibilidade de tentar novamente até alcançar a nota desejada.


A surpresa em Conceptual Design

Enquanto me frustrava com as outras matérias, em Conceptual Design tive uma grata surpresa. Seguindo conselhos de colegas, resolvi estudar pelas provas antigas. Entrei no exame nervoso, mas ao ver as questões, percebi que eram praticamente iguais às já aplicadas em anos anteriores.

O resultado foi a melhor nota da minha trajetória: 29 em 30. Paradoxalmente, não fiquei feliz. Para mim, aquela não era uma vitória real, já que senti que o exame não avaliava aprendizado verdadeiro, mas apenas memorização.


A pressão da bolsa e os critérios de mérito

Além das notas, havia outro fator que aumentava meu estresse: a bolsa de estudos dependia de desempenho acadêmico.

No primeiro semestre, eu precisava cumprir 9 créditos para manter os pagamentos. Mas, mesmo após todas as provas, só havia conquistado 6. Resultado: minha bolsa foi retida, e passei meses sobrevivendo apenas com o mínimo, contando com ajuda dos meus pais, que enviavam 50 euros sempre que podiam.

Essa pressão financeira, somada à dificuldade acadêmica, fez daquele um dos períodos mais duros da minha vida.


O e-mail inesperado: Bolsa Fórmula 1

Em meio a tanto estresse, recebi um e-mail que mudaria minha trajetória. Em janeiro, chegou a notícia: eu havia sido selecionado para a Bolsa Fórmula 1.

Essa bolsa tinha valor superior e estava vinculada a um programa que poderia abrir portas para estágios em equipes da Fórmula 1. Era o reconhecimento que eu precisava.

No dia 2 de fevereiro, oficialmente, me tornei um “estudante Fórmula 1”.

A felicidade foi imensa, mas também senti o peso da responsabilidade. Se já era difícil manter a bolsa normal, imagine agora sustentar uma bolsa tão competitiva e prestigiada.


O impacto emocional

Mesmo com a conquista, as dificuldades não pararam. Continuei falhando em algumas disciplinas, especialmente Materials, onde a prova objetiva parecia intransponível.

Lembro até hoje do dia em que, após mais uma reprovação, chorei no quarto. Mas, ao mesmo tempo, criei uma disciplina rígida: sempre que falhava, voltava imediatamente para a biblioteca, sem tempo para lamentar.

Foi essa postura que me manteve de pé em meio ao caos.


O fechamento do semestre

Ao final do primeiro semestre, a sensação era de cansaço, mas também de aprendizado. Descobri que estudar na Itália, no coração da indústria automotiva, não era nada glamuroso como imaginava. Era luta diária, noites sem dormir, ansiedade, mas também conquistas importantes.

E, acima de tudo, aprendi a viver sob o peso daquela frase que carrego até hoje:

“O problema dos sonhos é que eles se realizam.”

Na próxima parte da série, vou contar como foi o segundo semestre, com disciplinas ainda mais pesadas como Dinâmica Veicular, Aerodinâmica, CFD e Elementos Finitos. Foi quando a pressão atingiu o nível máximo.


Conclusão

Este capítulo da minha jornada mostra que conquistar o sonho não significa viver um conto de fadas. Pelo contrário: muitas vezes, realizar um sonho significa encarar dificuldades ainda maiores, mas também crescer como pessoa e profissional.

E foi exatamente isso que aconteceu comigo na Itália.