O processo de combustão em motores de combustão interna de ignição por compressão

Glossário

  • CI – Ignição por compressão;
  • SI – Ignição por centelha;
  • MCI – Motor de combustão interna;
  • 𝛄 – Razão de expansão;
  • Cp – Calor específico a pressão constante;
  • Cv – Calor específico a volume constante;
  • dp/d𝜃 – Taxa de variação de pressão em função do ângulo de giro do virabrequim;
  • PMS – Ponto morto superior;
  • RPM – Parâmetro de velocidade do motor em unidade de rotações por minuto;
  • NA – Aspirado naturalmente (Naturaly aspirated);
  • Sp – Velocidade média do pistao (Mean piston speed).

 

Para entender como a combustão ocorre em motores de combustão interna de ignição por compressão, é importante compreender que a combustão é um processo complexo, repleto de reações químicas que, consequentemente, desencadeiam na surgimento da frente de chama. A complexidade desse processo aumenta quando se trata de ignição por compressão. Este método de desencadear a chama possui alguns problemas devido ao seu controle. Uma vez que a chama consome toda a mistura ar/combustível dentro da câmara de combustão, o processo chega ao seu fim.

O processo de combustão

O processo tem início quando o bico injetor é ativado. Nesse momento, o combustível é injetado no cilindro justamente no momento em que o tempo de compressão aproxima-se do fim.

O bico injetor tem orifícios através dos quais o combustível adentra na câmara de combustão com alta velocidade. Embora seja injetado em estado líquido, uma vez que o combustível entra em contato com o ambiente da câmara de combustão (ar a cerca de 450-550°C e 3 a 4 MPa), este sofre um processo de fragmentação. Esse processo também é chamado de quebra (break-up), pois ocorre a quebra do jato de combustível em diversas gotículas deste. Isso facilita a mistura do combustível com o ar pressurizado e quente na câmara de combustão.

A mistura ar/combustível pode ser homogênea, quando o combustível está uniformemente misturado ao ar, ou pode ser não homogênea. Neste caso, que é o mais comum, os átomos de combustível não estão bem distribuídos no ar, de forma que há zonas pobres e ricas.

Uma vez misturado, a combustão da mistura ar/combustível apenas ocorrerá se o ar estiver nas condições de temperatura e pressão que superem o ponto de ignição do combustível. Contudo, em alguns momentos, o combustível, ao se misturar não encontra as condições propícias para auto-inflamar. Isso gera um breve momento entre a injeção e a combustão da mistura ar combustível, este é chamado de atraso de ignição. Uma vez que uma porção do combustível injetado e já devidamente misturado ao ar entra em ignição espontaneamente, a combustão é deflagrada dentro da câmara de combustão. A medida que a frente de chama vai consumindo toda a mistura ar/combustível, a pressão no cilindro aumenta conforme o processo ocorre.

Entretanto, é comum que uma parte da massa total de ar e combustível dentro do câmara de combustão ainda não tenha entrado em combustão, ou sequer tenha atomizado no ar, mesmo que o processo de combustão esteja ocorrendo. Dessa forma, o aumento de pressão devido a combustão auxilia não apenas a reduzir o intervalo entre a injeção e ignição da massa de mistura não queimada, bem como ajuda evaporar mais rápido aquele combustível que ainda encontra-se em estado líquido.

A injeção de combustível contudo, continua até que a quantidade de combustível determinada pelo sistema de injeção, seja injetada. Diferentemente, a atomização, evaporação, mistura e combustão são processos independentes, mas que tem sua continuidade atrelada a quantidade de combustível injetado, ou seja, são processos que terminam apenas quando todo o combustível tenha passado pelos mesmos. Isso não significa que esses processos não podem ocorrer de forma simultânea, não apenas podem, como ocorrem.

Todos esses eventos que resultam no processo de combustão são aleatórios, dependem de diversos fatores, como as características do combustível, condições climáticas, formato da câmara de combustão e do tipo de sistema de injeção. A combustão nos MCI do tipo IC, é um processo heterogêneo, transiente e tridimensional.

Diferença da combustão em MCI do tipo CI em relação a MCI do tipo SI

O principal fator que diferencia o processo de combustão em motores CI de motores SI, é a detonação. Nos motores diesel, devido ao breve atraso de ignição, não há limite de detonação como nos motores SI. Consequentemente, é possível elevar a taxa de compressão do motor. A priori, isso resulta em uma maior eficiência de conversão do combustível em relação aos motores Otto, porém existem outros fatores e estes não são, necessariamente, vantajosos.

O sistema de injeção define a quantidade de combustível a ser injetada, a combustão e seus processos duram o tempo necessário para consumir todo o combustível injetado. Então a injeção de combustível acaba sendo um método de controle da combustão. Dessa forma, o sistema de injeção é desenvolvido para operar reduzindo o atraso de ignição. Isso possibilita manter a pressão máxima da carga dentro do cilindro abaixo dos valores de resistência que os materiais dos componentes do motor são capazes de suportar. Logo, a mistura ar e combustível deve entrar em combustão espontânea em uma temperatura e pressão compatível.

Essa preocupação com a resistência dos materiais do motor também influi no número de cetano que o diesel combustível deve possuir. No caso, o número de cetano determina o quão fácil será para o combustível entrar em combustão de forma espontânea. Portanto, o combustível também deve ter um número de cetano adequado às capacidades mecânicas do motor.

Uma das consequências do controle do motor ser efetuado pela injeção de combustível, é a possibilidade de se excluir a borboleta de aceleração. Como o fluxo de ar é praticamente máximo, o motor pode ser operado sem estrangulamento, o que reduz as perdas por bombeamento e, consequentemente, melhora a eficiência mecânica do motor do tipo CI sobre o motor do tipo SI.

A admissão de ar irrestrita resulta em uma condição de operação pobre por parte da mistura ar/combustível. O valor de 𝛄 (= Cp/Cv) durante o processo de expansão é maior que o mesmo para motores do tipo SI. Dessa forma, motores do tipo CI conseguem uma maior eficiência de conversão do combustível em relação aos motores do tipo SI com o mesmo valor de 𝛄.

Fatores de influência no processo de combustão dos motores a diesel

Embora exista toda uma complexidade em torno do processo de combustão, alguns fatores que influenciam no processo podem ser manipulados pela engenharia, são estes:

  • Propriedades do combustível;
  • Taxa de compressão;
  • Ângulo de avanço de injeção;
  • Qualidade e tempo da injeção;
  • Velocidade do motor.

Propriedades do combustível

De forma geral, a estrutura química do combustível influencia na forma como a combustão ocorrerá. No caso do diesel, espera-se uma facilidade deste entrar em auto-ignição, em outras palavras, que o atraso de ignição seja o mínimo possível.

O parâmetro que determina essa predisposição a entrar em combustão espontaneamente chama-se número de cetano. Resumidamente, quanto maior o número de cetano, menor será o atraso de ignição. O número de cetano aumenta de acordo com a quantidade de hidrocarbonetos parafínicos que compõem a estrutura química do combustível.

A importância do número de cetano está no fato de que, se o combustível possui menor atraso de ignição, a combustão ocorrerá de uma forma mais suave, pois o aumento de pressão no cilindro é menor e menos repentino, de forma que a maior parte do combustível queimará no momento em que o pistão inicia seu movimento descendente. Isso favorece ao bom funcionamento do motor, bem como melhorar a eficiência de conversão do combustível

Além do número de cetano, dois outros fatores auxiliam na combustão do diesel, sua viscosidade e volatilidade. A viscosidade, consequentemente, a tensão superficial do combustível é uma propriedade do combustível que tem influência na pulverização deste no ar contido na câmara de combustão, em especial no processo de quebra (breakup). Enquanto a volatilidade está ligada ao quão rápido esse combustível evapora e se mistura com o ar, formando a mistura ar/combustível. Um combustível mais volátil, porém com número de cetano comum aos outros, ajuda na redução do atraso de ignição enquanto eleva a pressão máxima atingida no cilindro durante a combustão. Além disso, a variação da pressão com o giro do virabrequim (dp/d𝜃) também aumenta.

Taxa de compressão

É natural que um MCI do tipo CI necessite de peças com maior massa, pois a pressão interna durante o funcionamento do motor é maior. Entretanto, a pressão máxima de compressão que o motor é capaz de produzir depende da taxa de compressão, uma relação entre o volume total do cilindro e o volume da câmara de combustão. Ao aumentar a taxa de compressão, a temperatura e a pressão máxima do ar dentro do cilindro também crescem. Como resultado, o atraso da ignição e a velocidade com que a pressão durante a combustão reduzem, de forma que o motor funciona mais suavemente. Isso, é válido tanto para motores do tipo Otto, quanto motores Diesel. Entretanto, uma taxa de compressão maior, invariavelmente requererá peças mais resistentes, devido a maior pressão interna. A saída quase sempre resulta em maior massa do conjunto móvel, mas também é possível utilizar materiais melhores, de maior resistência a fadiga. Maior massa resulta é maior inércia do conjunto móvel, ou seja, redução da eficiência mecânica, enquanto que materiais melhores esbarra no fator custo.

Ângulo de avanço de injeção

O ponto de injeção é um valor em graus que mostra o quanto falta para o virabrequim girar para chegar ao seu PMS, que neste caso é de compressão. Quando esse ângulo é reduzido, diz-se que o ponto de injeção está atrasado, e quando esse ângulo aumenta, o ponto de injeção está avançado. Ambos atraso e avanço em excesso são prejudiciais, pois prejudicam o alinhamento do processo de combustão com o movimento do pistão.

Um ângulo de avanço grande provoca o aumento do atraso de ignição, que é resultado de menores pressão e temperatura do ar, uma vez que o combustível é injetado com pistão a uma distância maior do PMS. A pressão máxima na combustão aumenta, porém a taxa com que esta alcança o pico também aumenta, prejudicando o funcionamento do motor.

Isso ocorre devido ao acúmulo de combustível que não se misturou ou não entrou em combustão, de forma que este entrará em combustão próximo do PMS e com velocidade aproximadamente constante. Em outras palavras, a combustão ocorrerá de forma súbita com o pistão ainda sem ter alcançado o PMS, perdendo eficiência de conversão.

Quando o ângulo de avanço é pequeno, o atraso de ignição diminui, consequentemente a pressão máxima e a taxa de aumento desta também. Entretanto, a pressão reduzida leva a um menor binário motor, e o processo por ocorrer de forma mais lenta, faz com que grande parte do combustível entre em combustão com o pistão já em movimento descendente. Novamente, perdendo eficiência de conversão.

Não existe um ângulo de injeção ideal para todos os motores, motivo pelo qual esse parâmetro é tão complexo. O ângulo de injeção depende vários parâmetros e características do motor, com por exemplo, a taxa de compressão, pressão e temperatura da ar na entrada do cilindro (condições climáticas), o sistema de injeção, velocidade do motor (RPM) e seus componentes mecânicos.

Qualidade e tempo de injeção

Trata-se de dois parâmetros dependentes do tipo de sistema de injeção, e este varia de acordo com as demandas do projeto do motor, ou seja, não há valores ideais. Entretanto cabe pontuar alguns fatos.

A qualidade da injeção está ligada a pressão de trabalho do sistema de injeção, quanto mais elevada a pressão, melhor será pulverização desse combustível no ar dentro da câmara de combustão, ou seja, o tempo de breakup é reduzido. Isso reflete no atraso de ignição, que é reduzido, porém o jato de combustível acaba perdendo em penetração. Não há, de certa forma, uma vantagem ou desvantagem nessas consequências, uma vez que certos motores é interessante reduzir essa penetração ou aumentá-la.

O tempo de duração da injeção é, basicamente, o tempo no qual o bico injetor permanece aberto. Quando esse tempo é reduzido, a maior quantidade de combustível está concentrada nos momentos iniciais da injeção, de forma que se perde crescimento suave da pressão durante a combustão, e a pressão máxima no processo também aumenta. Embora o atraso de ignição permaneça praticamente o mesmo, acaba se obtendo uma redução da eficiência de conversão.

Velocidade do motor

A velocidade do motor é um parâmetro importante para a potência, uma vez que este é o fator multiplicador do torque. Curiosamente, quanto maior a velocidade do motor, dada em RPM, menor será o tempo para que os eventos que compõem o processo de combustão ocorram.

O enchimento do cilindro, a qualidade da pulverização e o turbilhonamento do combustível são fatores severamente afetados pelo aumento da velocidade do motor. O atraso de ignição, por sua vez, é menor que em rotações mais baixas, porém o tempo relativo desse atraso, ou seja, o tempo de atraso em relação ao ângulo de giro do virabrequim é maior, se comparado ao mesmo parâmetro quando o motor encontra-se em rotações menores. 

Portanto, para o motor operar bem em altos regimes, o avanço de injeção é maior para compensar o maior tempo relativo, enquanto que o projeto do motor deve garantir a qualidade dos processos da mistura ar/combustível e isso se deve ao desenho da câmara de combustão e das capacidades do sistema de injeção. O motor deve funcionar bem em qualquer regime.

O problema da combustão por compressão

Como visto, a injeção de combustível acaba tendo controle sobre o processo de combustão, logo também controla a duração do processo. Dessa forma, o sistema de injeção exerce grande influência na taxa de combustível queimado.

Uma das consequências desse controle, é o fato de que o motor trabalha sempre em condições de mistura pobre, logo, grande parte da carga será de ar não utilizado. Quando a quantidade de combustível injetada aumenta, o ar excesso acaba se misturando aos gases formando fuligem ou fumaça preta. Para evitar o descarregamento desses gases nocivos, o sistema de injeção é desenvolvido para operar em condições de pobreza de 20% em relação à estequiometria. Consequentemente, a pressão média efetiva indicada máxima de um motor Diesel NA, é menor que um motor Otto equivalente.

O desenho da câmara de combustão é outro ponto a ser mencionado. Nos motores do tipo CI, a injeção e a combustão devem acontecer em um pequeno espaço de tempo. Esse período depende de alguns fatores mecânicos do motor, no caso, o diâmetro do cilindro. Em motores de aplicações comerciais, nestas estão inclusos motores de automóveis de médio e grande porte, aplicações náuticas e de geração, o diâmetro dos cilindros encontra-se entre 70 e 900 mm.

Dentro dessa faixa de valores, a velocidade média do pistão em regime de potência máxima desses motores possui uma variação muito pequena, de forma que pode ser considerada constante. Sabendo que a velocidade média de um pistão é dada por Sp = 2LN, percebe-se que esta é inversamente proporcional ao curso do pistão. O curso e o diâmetro do cilindro se relacionam, de forma que substituindo essa relação na equação da velocidade média obtemos Sp = 2(B/Rbs)N. Assim, o diâmetro também é inversamente proporcional a velocidade média do pistão. 

Se analisarmos o movimento do virabrequim em intervalos fixos, concluímos que o tempo para a combustão ocorrer aumenta com o aumento do curso, logo do diâmetro do cilindro. Os motores que encontram-se próximo do limite inferior dos valores do diâmetro do cilindro, possuem cerca 10 vezes menos tempo para promover a mistura do combustível com o ar em relação aos motores que se encontram próximos ao limite superior.

É nesse detalhe, que o desenho da câmara de combustão exerce bastante influência, visto que esta e o sistema de injeção eletrônica são desenvolvidos para suprir as demandas de movimento e velocidade do combustível ao ser injetado, bem como a quantidade necessária para se misturar completamente com o ar.

Portanto, MCI do tipo CI de pequeno porte necessitam de uma câmara de combustão que promova o turbilhonamento da carga e a redução da penetração do combustível, o que aumenta a velocidade do fluído e facilita atomização.

Referências

  • Heywood, John B. Internal Combustion Engine Fundamentals. United States of America. McGraw-Hill, 1988.
  • Jóvaj, M. S. Motores de Automovil. Moscú. Editorial MIR, 1982.