Parâmetros geométricos dos motores de combustão interna

Glossário

  • MCI – Motor de combustão interna;
  • IC – Ignição por centelha;
  • Rc – Taxa de compressão;
  • B – Diâmetro do cilindro (bore);
  • r – Raio da manivela;
  • l – Comprimento da biela;
  • θ – Posição angular do virabrequim;
  • Φ – Ângulo de inclinação da biela;
  • x  – Posição do pistão;
  • ω – Velocidade angular do virabrequim (RPM).

 

Ao analisar a ficha técnica de um automóvel, independente do nosso nível de conhecimento acerca da máquina, sempre buscamos quatro informações básicas: Potência, torque, velocidade do motor (RPM) e consumo de combustível. Estas informações são parâmetros da motorização do automóvel. Entretanto, um motor de combustão interna possui diversos parâmetros importantes, mas que estão fora das publicações e informativos destinados ao público geral. Os parâmetros são referentes ao projeto do MCI, tanto no âmbito mecânico, quanto no termodinâmico. Este artigo tem como objetivo explicitar os parâmetros geométricos e de projeto dos MCI.

Parâmetros geométricos

Para compreender os parâmetros geométricos, é importante entender que, um MCI a pistão funciona a partir de um mecanismo chamado, “biela-manivela”. Curiosamente, trata-se de um mecanismo de quatro barras invertido, no qual os quatro elos são os mancais do virabrequim, o próprio virabrequim, as bielas e os pistões. Estes por sua vez são considerados elos deslizantes, que realizam movimentos retilíneos alternativos. O objetivo deste mecanismo é transformar as forças geradas durante a combustão, em movimento do mecanismo. No caso, o movimento retilíneo do pistão, que é transformado em movimento giratório do virabrequim através das bielas. Entretanto, as medidas dos elos possuem grande influência no funcionamento do motor. Essas medidas, são, literalmente, os parâmetros geométricos do motor e para compreendê-las melhor, utiliza-se como exemplo um conjunto móvel qualquer, conforme o desenho técnico abaixo:

Esquema do conjunto móvel de um MCI padrão. Crédito foto: B. HEYWOOD, John, Internal Combustion Engine Fundamentals, United States of America, McGraw-Hill, 1988. 930p

A foto acima destaca o mecanismo biela-manivela, comum a todos os motores de combustão interna a pistão utilizados nos automóveis. No exemplo da foto, inclusive, percebe-se que, o centro da manivela (ou virabrequim) está alinhado com a linha de centro do pistão. Isso é uma característica que pode variar nos MCI de aplicações automotivas e em geral. Agora, podemos utilizar o mesmo desenho para avaliar o diagrama de corpo livre, porém, ressaltando que estão desconsideradas as forças de atrito nas articulações.

Diagrama de corpo livre do mecanismo de biela-manivela de um MCI. Crédito foto: L. NORTON, Robert, Cinemática e Dinâmica dos Mecanismos, New York, McGraw-Hill, 2009. 800p

Onde o raio da manivela é dado por “r”, comprimento da biela é dado por “l” e os ângulos de inclinação da biela e da manivela são Φ e ϴ (Phi e Theta), respectivamente. Sabendo que a velocidade angular, ⍵ (ômega), é dada por ⍵ = dϴ/dt, conclui-se que ϴ = ⍵t, onde t, é a variável tempo. Dessa forma, por semelhança de triângulos, obtém-se algumas relações:

q = r · senθ =l · senΦ

θ = ω · t

Observando o mecanismo biela-manivela constatamos que as componentes da sua posição são dadas por:

s = r · cosθ = r · cosωt

u=l · cosΦ

x = s + u

Da trigonometria, utilizamos a relação fundamental, dessa forma temos que:

sen²θ + cos²θ =1

cosΦ = √(1-sen²θ) = √[1-(r/l · senωt)²]

Finalmente, a posição do pistão, dada por x, é representada pela equação abaixo:

x = r · cosωt + { l · √[1-(r/l · senωt)²]}

Assim, derivando a posição x do pistão obtemos a velocidade. Derivando novamente, obtém-se a aceleração do pistão. Logo:

dx/dt = – r · ω [senωt + (t · sen²ωt)/(2l√(r/l · senωt)²)]

d²x/dt² = – r · ω [cosωt – (r(l²(1-2cosωt) r² · senωt)/(l² – (r · senωt)^3/2)]

As três equações acima possuem bastante significado. O que temos acima são equações obtidas através de uma expansão binomial, que podem, nessa aplicação, serem aproximados as séries de Fourier para deslocamento, velocidade e aceleração. Assim sendo, identificamos os termos cos (𝜔t) e cos (2𝜔t) nas equações. Esses termos são chamados harmônicos.

O termo cos (𝜔t) é chamado de frequência fundamental ou componente primário, e se repete uma vez a cada rotação do virabrequim. O segundo harmônico, o termo cos (2𝜔t), se repete duas vezes para rotação do virabrequim, sendo então o componente secundário.

Esses harmônicos são os termos que definem o balanço dinâmico do motor, o estudo das vibrações. Ressaltando que, desconsideramos o quarto termo em diante, mas que na busca por cálculos mais sensíveis, pode-se contabilizar a função completa.

Taxa de compressão

Definidos os três principais parâmetros mecânicos de um MCI, outros parâmetros relacionados pode ser explicitados. A taxa de compressão bastante comentado, ou relação de compressão, é uma relação da máxima área do cilindro pela mínima área do cilindro. Logo:

Rc = (Vd + Vc) / Vc

Onde Vd é o volume deslocado, e Vc é o  volume da câmara de combustão.

Eficiência de um MCI

A taxa de compressão é um parâmetro bastante comentado entre os estudiosos da mecânica e engenharia automotiva. Entretanto seu significado está além de uma simples relação de volumes.

η = 1 – [1/Rc^(k-1)]

k = Cp/Cv

A fórmula acima mostra a equação da eficiência de um MCI do ciclo Otto, esta é em função da taxa de compressão e da razão de calores específicos. A equação nos mostra que quanto maior o valor da constante K, e da taxa de compressão, maior será a eficiência do motor. Contudo, temos que considerar, que a abordagem acima é referente ao ciclo Otto ar-padrão, ou seja, considera a mistura ar/combustível como gás ideal, e esta não das abordagens mais precisas. Assim como nos MCI que funcionam sob ciclo Otto, no ciclo Diesel, a influência da taxa de compressão é semelhante, a diferença fica por conta da relação de cut-off.

η = 1 – [1/Rc^(k-1)] · [((Rc^k)-1) / (k(Rc-1))]

Rc = V3/V2

Quando comparados, ciclo Otto e Diesel, este último apresenta uma leve vantagem sobre o ciclo Otto em termos de eficiência. Entretanto, à medida que a taxa de compressão de um motor de ciclo Otto é elevada, essa diferença para o ciclo Diesel diminui, podendo até ultrapassar caso os valores se igualem. Embora a fórmula demonstra que quanto maior a taxa, maior a eficiência, existem limites. Não apenas limites mecânicos, devido ao uso de materiais aptos a lidar com a maior carga, mas também o chamado volume de fenda (crevice volume). Em termos gerais, a taxa de compressão é um parâmetro que, sua alteração influencia diretamente em processos ligados ao desempenho e eficiência do motor. Por exemplo, taxas de transferência de calor de combustão. Quanto a maior a taxa de compressão, maior a potência específica do motor. 

Entretanto, além do fato das equações considerarem a carga de mistura como sendo gás ideal, outro fator limita a aplicabilidade total dessas equações: o limite de compressão dos combustíveis e o diagrama de abertura e fechamento de válvulas. Dessa forma, em veículos com comandos de válvulas com angulação fixa, o tamanho do came é fixo, ou seja, os tempos de abertura e fechamento de válvulas fixos. Assim, os motores são calibrados dentro de uma amplitude de valores nos quais o diagrama de válvulas está entre priorizar o máximo torque ou a máxima eficiência.

A partir disso, determina-se parâmetros como, pressão média efetiva indicada e de frenagem e as eficiências de conversão. Então, estudos e medições acerca desses parâmetros confirmam, que o aumento da taxa de compressão provoca o aumento dos valores obtidos para os parâmetros citados acima. Contudo, há um limite físico, que ocorre devido ao aumento exagerado da taxa de compressão. É o chamado, volume de fenda, um efeito cotovelo que ocorre devido a grande redução da altura da câmara de combustão. Como resultado, ocorre uma redução na propagação da chama, a combustão fica mais lenta. O aumento da taxa de compressão possui um limite superior, que é a razão entre a superfície e o volume da câmara de combustão. Em geral, os motores começam a perder eficiência quando a taxa de compressão ultrapassa o valor de 17:1. Os limites mecânicos levam em que restringem a taxa de compressão, levam em conta é inércia dos componentes. Como o aumento da taxa resulta em uma maior pressão, é necessário materiais mais robustos, e portanto, com maior densidade. Isso acaba prejudicando o motor por conta da inércia desses componentes.

Entretanto, muitos estudos foram conduzidos acerca do assunto, que chegaram a conclusão de o limite da taxa de compressão dos motores não alcançava o volume de fenda, o limite de compressão dos combustíveis eram alcançados antes. Assim, chegou-se ao consenso que o valor de Rc <= 14, é um valor que garante bons resultados, tendo em vista que um MCI do tipo IC possuem Rc <= 12. Cada unidade acima deste valor pode aumentar a eficiência de conversão em 3%, logo a potência aumenta na mesma proporção. Outro fator percebido durante os estudos sobre a taxa de compressão, é o quanto esta proporciona de aumento em eficiência com o aumento de volume deslocado do cilindro. Quanto maior o volume do cilindro, maior será a taxa de compressão máxima que este será capaz de obter. Por fim, observou-se também, que a temperatura dos gases de escape sofre uma redução até que se obtenha a taxa de compressão de máxima eficiência. Dessa forma, pode-se observar também as perdas de calor por energia liberada pelo combustível também diminui. Além disso, o efeito da taxa de compressão nas emissões é muito pequeno, embora seja perceptível o aumento nos hidrocarbonetos. Os MCI do tipo ignição por centelha possuem valores de taxa de compressão que variam de, 8 a 12, enquanto que nos motores de ignição por compressão rápidos, aqueles que equipam automóveis leve e médios, varia de 14 a 21. Para motores diesel náuticos, essa taxa pode chegar a 30.

Razão diâmetro do cilindro e curso do pistão

A relação diâmetro-curso apresenta-se da seguinte forma:

Rbs = B/L

Onde B representa o diâmetro do cilindro e L, o curso do pistão. A velocidade média na qual o pistão pode se movimentar é determinada de acordo com o tipo de motor. Dessa forma, os motores estão limitados a 19 m/s e 14 m/s de velocidade média “máxima” do pistão para os motores de ciclo otto e diesel, respectivamente. Para aumentar a rotação do motor, deve-se então obedecer determinados valores para Rbs. No caso, Rbs > 1 são motores desenvolvidos para operar em altas rotações e Rbs < 1 são motores operam melhor em baixas rotações.Esta relação possui três níveis de valores que podem ser obtidos. São estes:

  • Motor subquadrado;
  • Motor quadrado;
  • Motor superquadrado.

Os motores nos quais o curso é maior que o diâmetro, chamados de motores de curso longo, ou subquadrados, Rbs é menor do que zero. Isso significa que estes são capazes de produzir um grande deslocamento volumétrico. Nos próximos parágrafos veremos que o curso (L) está relacionado com o raio da manivela, onde podemos notar que o aumento do curso promoveria o aumento do torque. Os motores nos quais Rbs é igual a 1, ou seja, B = L, são chamados de motores quadrados. Essa configuração é a mais utilizada, visto que permite o motor trabalhar com regimes mais elevados, sem que estes provoquem, nos pistões, velocidades exageradamente altas. Quando o motor é definido como superquadrado, significa que sua Rbs está de 1, ou seja, B > L. Nesta variação é possível se obter um motor capaz desenvolver altas rotações, mas ao custo de materiais mais leves e rígidos, para resistir as cargas maiores. 

Existe um outro influência do Rbs no motor, conforme o valor de Rbs aumenta, o timbre do som emitido pelo motor fica mais agudo. Esse é um dos motivos pelo qual, motores de motos esportivas ou de carros superesportivos tem um característico timbre agudo. Possuem Rbs maior do que 1 e são capazes de girar em rotação muito acima de 6.000 Rpm. Por outro lado, veículos com motores de Rbs menor do que 1, possuem um timbre mais grave e são comumente escutados em motores de grande deslocamento volumétrico, como picapes, alguns veículos americanos e alemães e motos custom.

Curso e raio da manivela

No MCI, o curso do pistão e o raio da manivela do virabrequim possuem a seguinte relação:

L = 2a

Onde L, é o curso e a, o raio da manivela. Quanto maior o raio da manivela, maior será a distância do PMS até o PMI.

Comprimento da biela

A priori o comprimento da biela não altera parâmetros como a taxa de compressão. Contudo a biela é um importante componente na estabilidade funcional do motor, ela deve ser curta e leve. Uma biela longa o motor possui um funcionamento muito suave e auxilia na redução do nível de desgaste da saia do pistão, mas ao preço de um componente mais pesado. Dessa forma, o motor vai operar com mais inércia. Analogamente, motores com bielas curtas tendem a apresentar um funcionamento ríspido, pois oscila um pouco mais. O pistão se apoia mais nos cilindros, o que aumenta seu desgaste, mas os componentes são mais leves e provendo ao motor maior capacidade de atingir altas rotações. Portanto, a tendência dos motores atuais é pistão e bielas curtas, lubrificação forçada, jatos de óleo na camisa, alta pressão de óleo, projeto de anéis avançados capazes de lidar com as altas exigências térmicas e mecânicas.

Posição do centro do virabrequim

Nas figuras que ilustram esse artigo, é perceptível que o centro do eixo do virabrequim está alinhado com o centro do pistão. Entretanto, nos projetos reais esse rigorosidade não é adotada. Isso se deve ao ponto de singularidade, que é uma posição do mecanismo biela-manivela no qual o mesmo fica muito propenso a travar. No caso do mecanismo dos motores de combustão interna, esses pontos são justamente quando o pistão atinge suas posições extremas, o PMS e o PMI. Caso o projeto do motor não tenha levado esse fator em conta, o motor passa a operar com um Delta de DIRAC, em outras palavras, a cada vez que o pistão atingisse seus pontos extremos o motor excitaria todas as suas frequências características. O resultado disso seria a vibração da camisa, cavitação desta com o fluído de arrefecimento e destruição de mancais, são alguns exemplos. Portanto, no projeto de motores de combustão interna desloca-se o centro do virabrequim em 0,5 a 2,0 mm em relação ao centro do pistão.

Parâmetros dependentes do ângulo 𝛳

Como observado no desenho técnico acima, alguns parâmetros variáveis estão em função da posição angular do virabrequim (𝛳).

Volume do cilindro

Sabendo que o pistão se movimenta alternativamente dentro do cilindro, podemos concluir que, este parâmetro varia com o valor de 𝛳, conforme a equação abaixo:

V = Vc + (πB²/4) · (l + a – s)

Embora a variável 𝛳 não esteja amostra na equação, a mesma encontra-se dentro do parâmetro “s”.

Distância entre o eixo virabrequim e o pino do pistão

Determinado por semelhança de triângulos, o parâmetro s está diretamente ligado a 𝛳. Dessa forma sua equação resulta em:

s = a · cosθ + √(l² – a² · sen²θ)

Se substituirmos a equação acima na equação do volume do cilindro obteremos a seguinte relação:

V/Vc = 1 + ½(Rc – 1)[r + 1 – cosθ – √(r² – sen²θ)]

Área da superfície da câmara de combustão

De forma análoga ao volume do cilindro, a área da câmara de combustão é dada pela seguinte relação:

A = Ach + Ap + πB(l+a-s)

Onde Ach é o valor da área das paredes do cabeçote que formam a câmara de combustão, Ap é a área do topo do pistão. Para os pistões com o topo plano, Ap é igual a área de uma circunferência, (𝜋B²/4). Novamente, ao substituir o valor de s na equação, obtemos:

A = Ach + AP + πBl/2 · [r + 1- cosθ – √(r²sen²θ)]

Velocidade média do pistão

No teste dos motores o parâmetro de velocidade do motor (RPM) nem sempre se mostra adequado para algumas análises. Um outro parâmetro de velocidade, que leva em consideração a velocidade do motor, é a velocidade média do pistão:

Spm = 2 · l · N

Onde l é o curso do pistão e N, é a velocidade do motor, porém dada em radianos por segundo (rad/s). Como l é dado em metros (m), a velocidade média do pistão possui unidade de metros por segundo (m/s) ou pés por segundo (ft/s).

Velocidade instantânea do pistão

Este parâmetro é a derivação temporal do deslocamento do pistão em qualquer momento, logo é dado por:

Sp = dS/dt

Esse parâmetro é bastante utilizado com a velocidade média do pistão, para normalizar os valores, isso permite que as análises sejam feitas com valores adimensionais e menores. Assim, diferenciando a equação de s e substituindo, obtemos a velocidade normalizada do pistão.

Sp/Spm = π/2 · senθ · [1 + cosθ/√(r² – sen²θ)]

Então , se analisarmos a velocidade normalizada do pistão durante o deslocamento de 180° do virabrequim, ou seja, um curso, podemos aferir que, o pistão possui dois pontos onde sua velocidade é zero. No caso, esses pontos são seus extremos, o PMS e PMI. Outro detalhe observado é, que o pistão atinge sua velocidade máxima próximo a metade de seu curso. Portanto, a velocidade do pistão é um parâmetro dependente das características do motor, mas mais intensamente dependente dos materiais utilizados no conjunto móvel e da natureza do fluxo de ar atmosférico para dentro do motor. Em geral, os MCI apresentam valores de máxima velocidade média variando entre 8 e 15 m/s (1.500 e 3.000 ft/s). Os MCI de aplicações automotivas possuem valores mais próximos do limite superior.

Referências

  • B. HEYWOOD, John, Internal Combustion Engine Fundamentals, United States of America, McGraw-Hill, 1988. 930p;
  • L. NORTON, Robert, Cinemática e Dinâmica dos Mecanismos, New York, McGraw-Hill, 2009. 800p;