O sistema de freios a disco de automóveis com motor de combustão interna

O freio a disco surgiu em meados da década de 50, apareceu primeiramente na indústria aeronáutica e depois migrou para os automóveis. A priori, era caro para se implementar, mas suas vantagens para o freio a tambor eram tantas, que logo passou de componente de veículos de luxo, para equipar veículos de grande volume de produção. Após seu estabelecimento como sistema padrão, dividiu e ainda divide espaço com o freio a tambor, porém este último sendo aplicado apenas no eixo traseiro. Este artigo se propõe a esclarecer as características, o funcionamento e os componentes do sistema de freios a disco.

Componentes

Uma das grandes vantagens do freio a disco em relação ao freio a tambor, é a quantidade de componentes, que é menor. Basicamente, o freio a disco é composto pelos componentes listados abaixo:

  • Pinça (caliper);
  • Disco;
  • Pastilhas.

Pinças de freio

As pinças são componentes fabricados em alumínio ou ferro fundido nodular, estão alojadas em cima do disco de freio, de forma que este seja capaz de girar passando por um espaço dentro da pinça. Dentro desta estão pequenos dutos por onde o fluído de freio circula até chegar no cilindro, onde está alojado o pistão da pinça de freio. O pistão possui retentores de borracha (o-ring) que evitam a passagem de fluído de freio para o outro lado do cilindro, ao mesmo que tempo limpa as paredes do cilindro no movimento de retorno do pistão.  A principal função da pinça é permitir que o pistão pressione ambas as pastilhas de freio contra o tambor. E isso é realizado de formas diferentes, que ao mesmo tempo, acarretam na variação do tipo de pinça utilizado, são estas:

  • Fixa;
  • Flutuante;
  • Deslizante.

Pinça de freio fixa

Pinça de freio fixa. Crédito foto: GrabCad.

A pinça de freio fixa é assim chamada pois seus componentes não possuem movimento, ao contrário das outras duas variações. Contudo, as pinças fixas precisam de, pelo menos, dois pistões para acionar as pastilhas. Esse tipo de pinça possui dois canais para o fluído de freio, para que seja possível acionar os pistões. Em geral, são utilizados em veículos onde o sistema de freios é extremamente exigido. Nesses casos inclusive, a pinça fixa pode ter, até mais de dois pistões, o que indica a severidade das cargas que esse sistema será submetido. Por outro lado, a pinça acaba tendo proporções muito grandes, o que limita o tamanho da roda. Além disso, a proximidade dos canais de freio dentro da pinça com a região do contato pastilha-disco expõe o fluído de freio acima das suas capacidades de se manter líquido. A pinça de freio fixa é um componente que ao ser desmontado, se divide em duas metades, que são unidas por um parafuso, geralmente do tipo allen 6 – 8 mm. Cada metade da pinça possui os canais de escoamento do fluído de freio, bem como o cilindro e o pistão. Existem alguns detalhes a serem mencionados acerca deste componente. Os pistões possuem uma coifa de borracha, conhecida como contra-pó, na qual sua função é impedir que detritos externos possam contaminar o cilindro. Dentro do cilindro existe um anel de borracha. Sua função é a de retornar o pistão para a posição de repouso quando o acionamento dos freios for cessado. O funcionamento da pinça começa quando o pedal é acionado. O fluído de freio pressurizado provoca uma força que empurra as pastilhas contra o disco. Ao ser aliviado o pedal de freio, os retentores do cilindro se encarregam de trazer os pistões de volta para a posição de repouso. A medida que a pastilha de freio se desgasta, o deslocamento do pistão é maior, a força de elástica do o-ring do cilindro de freio re-ajusta a posição de repouso do pistão à pastilhas de freio desgastada.

Pinça de freio flutuante

Pinça de freio flutuante.
Crédito foto: GrabCad.

Nessa variação a pinça de freio possui um pequeno deslocamento sobre a estrutura do cilindro, a pinça em si, está montada nesta estrutura, motivo pelo qual é chamada de flutuante. A pinça flutuante é um arranjo idealizado para ocupar menos espaço na região da roda, uma vez que veículos com variação do ângulo do pino mestre negativo podem provocar problema de interferência. Outro ponto positivo acerca dessa configuração é o arrefecimento dos componentes, por ser compacta e deslizar sobre a estrutura do cilindro, o ar pode escoar mais facilmente na região, arrefecendo mais rápidos os componentes. Isso ajuda a evitar o superaquecimento do fluído de freio. Essa variação de pinça tem como objetivo reduzir a quantidade de pistões a serem utilizados, o que encarece o sistema, logo é uma aplicação destinados a veículos onde a demanda de freio não é tão severa. A pinça de freio flutuante possui o cilindro montado na pinça. Um grampo metálico une a estrutura do cilindro a outra extremidade da pinça de freio. Esse grampo também serve de guia, para o deslocamento da pinça. Os demais componentes são o pistão, coifa de proteção e anel de vedação, que possuem as mesmas funções informadas no parágrafo sobre a pinça fixa. O funcionamento da pinça flutuante começa quando a pressão hidráulica que produz no pistão a força para empurra a pastilha, empurra também, a pinça para trás. Assim esta se desloca em reação a força aplicada na pastilha de freio primária, ao mesmo que trás consigo a pastilha de freio secundária, empurrando-a contra o disco de freio.

Pinça de freio deslizante

Pinça de freio deslizante.
Crédito foto: GrabCad.

Essa variação da pinça de freio possui o mesmo princípio de funcionamento da pinça flutuante. Na realidade é uma variação desta, onde a estrutura que permite a flutuação da parte da pinça que contém a pastilha de freio do lado externo desliza sobre dois pinos guia. Estes pinos também funcionam como elemento de fixação das partes da pinça deslizante. O lado externo da pinça desliza indo de encontro ao disco de freio em reação as forças geradas quando a pastilha interna é empurrada contra o disco. Esse variação de pinça também é composta por contra-pó, pistão, anel de vedação (o-ring) e parafusos de fixação.

Disco de freio

O disco de freio possui duas funções primordiais, a transmissão de força mecânica e a dissipação do calor produzido durante esta operação. Em termos gerais, um freio a disco de um automóvel civil pode suportar cerca de 700 °C. Entretanto, a forma como freio atinge essa temperatura é onde surgem os problemas, pois o funcionamento do freio é um ciclo intermitente de alterações de temperatura, ora aumentando, ora diminuindo. Isso, por si só, produz um de seus principais problemas, a fadiga térmica. Além disso, os constantes acionamentos do componente o expõe a ciclos de carga e descarga durante o uso cotidiano de um automóvel. Nesse ponto, o sistema enfrenta o problema do desgaste de seus componentes e fadiga mecânica devido a esses ciclos de operação. Assim, diz-se que o freio a disco é exposto a fadiga termomecânica [Maluf et al., 2007].

Dessa forma, o disco de freio deve ser fabricado em materiais de com boas propriedades de absorção de vibração, insensibilidade a variação de temperatura e rigidez mecânica. O ferro fundido cinzento (FFC) é o material mais utilizado por ser barato, fácil de manufaturar e, dentro faixa de aplicação automobilística civil, atende aos requisitos termomecânicos (leia mais sobre materiais de atrito para freios). Entretanto, é comum a aplicação de materiais como aço e cerâmicas (Al2O3 CMC, CSiC CMC). Esses materiais tem desempenho notavelmente superior ao FFC citado anteriormente. O aço, em geral, é capaz de suportar o estresse termomecânico muito maior, em relação a um freio similar de FFC. É geralmente utilizado em automóveis esportivos. Da mesma forma, os freios de composto cerâmicos apresentam elevadas capacidades de absorção de energia calorífica. Entretanto, devido a propriedades inerentes aos compostos cerâmicos, estes freios possuem variações drásticas na forma de serem operados. Em geral, freios desse tipo possuem grande variação do coeficiente de atrito em elevadas temperaturas, de forma que seu desempenho ótimo apenas seja obtido nessas condições restringindo suas operações veículos de alto desempenho ou de competição.

O disco de freio é desenhado de forma a ser alojado no cubo de roda por meio de parafusos ou porcas. A maioria dos discos de freio possuem uma sessão central elevada, para encaixe no cubo. Entretanto, em veículos de alto desempenho é comum o uso de cubos de roda nos quais o disco apenas é montado através de um componente extra. Nessas aplicações, o disco não possui a sessão externa, sendo praticamente um anel. Essa variação de disco visa facilitar e agilizar a substituição deste componente durante competições. É um componente derivados das provas automobilísticas de longa duração. Dois tipos de disco de freio são conhecidos, o sólido e o ventilado. Essas variações levam em consideração a disposição de aletas no disco, que provocam um fluxo de ar interno visando o arrefecimento do componente. Este tipo de disco suporta maiores cargas térmicas em relação ao disco sólido. Frequentemente discos de freio possuem frestas e furos usinadas em sua superfície, estes detalhes proporcionam uma redução de massa, estabilidade dinâmica, maior arrefecimento e atenuação de vibrações.

Pastilhas

As pastilhas de freio possui uma importante função na operação do sistema, isolar termicamente o fluído de freio. O atrito não é gerado apenas pela pastilha, mas sim pelo contato desta com disco. Dessa forma o atrito é um propriedade relacionado ao contato e depende de características inerentes ao par de atrito. Como o disco tem elevada capacidade de transmissão de calor, resta a pastilha funcionar como isolante impedindo a transmissão de calor para os componentes vizinhos, principalmente os pistão e o fluído de freio. As pastilhas são fabricadas em materiais compósitos e contam com diversos tipos de materiais (leia mais sobre materiais de atrito para freios). Cada um destes possuem características estratégicas para a o bom funcionamento da pastilha.

Funcionamento

Uma vez que o veículo encontra-se em movimento, este possui a chamada energia cinética, uma energia que depende massa e da velocidade do corpo em movimento. Dessa forma, o que o freio realiza é uma absorção dessa energia. No caso dos freios a disco, a velocidade do veículo é reduzida da seguinte forma, o motorista entende que deve reduzir a velocidade e aciona os freios, o pedal pressuriza o circuito hidráulico, que empurra os pistões das pinças contra as pastilhas de freios. Estas são pressionadas contra o disco, reduzindo a velocidade deste, e consequentemente do veículo.

O disco de freio aquece, pois absorve a energia cinética do veículo. Embora pastilha de freio também aumente de temperatura, esta tem função isolante e não permite que os componentes próximos do freio venham a aquecer, principalmente o fluído de freio. Por fim, o disco dissipa essa energia no ar externo através de um processo chamado convecção.

Entretanto, existem algumas constatações a se dizer devido ao aumento de temperatura no freio a disco. Esse ganho de energia ocorre na região de contato entre pastilha e disco, provocando a dilatação destes componentes. Isso resulta no aumento do campo de pressão, uma vez que nem toda a superfície da pastilha está efetivamente encostando no disco. O aumento dessa área de pressão se deve ao aumento da velocidade relativa entre disco e pastilha.

Com o constante acionamento e alívio do freio, esses efeitos, chamados termomecânicos, provocam zonas concentradas de altas temperaturas, ocasionando deformações, fadiga e concentração tensões exageradas. Assim, os componentes, em especial o disco, passam a estarem expostos a trincas, rachaduras e vibrações [Belhocine, O. e Abdullah, O.I., 2014].

Problemas com freios a disco

Devido ao princípio de funcionamento dos freios, através do atrito gerado entre uma rotor e um estator, alguns problemas surgem devido a esse contato. Os principais são os gerados devido a imensa carga térmica e as vibrações mecânicas oriundas de uma fração da energia cinética que não é convertida em calor.

Carga térmica

O ponto crítico de operação do sistema de freio é a chamada carga térmica, que trata-se da quantidade de energia calorífica adquirida em um curto espaço de tempo. Essa energia resulta alterações na temperatura do maior componente do sistema, o rotor. Em sistemas de freios a disco, essa faixa de temperatura pode partir de 20 a 700 °C rapidamente [Belhocine, O. e Abdullah, O.I., 2014]. Dessa forma, o componente sofre com o chamado gradiente térmico na região de contato da pastilhas com o disco. Esse gradiente é a variação do fluxo de energia que entra no disco uma vez que o sistema de freio é ativado e ocorre na direção da espessura do disco e na direção radial. As consequências dessa carga térmica são as deformações ocorridas no sistema, em geral, tricas e rachaduras no disco, e pontos quentes nas pastilhas (hot spots).

Vibrações

Apesar da grande quantidade de ruídos de freios já vistos, Trichês et al. (2007) divide estes em três categorias, low, medium e high frequency squeal. Os ruídos de baixa frequência, em geral, englobam vários tipos de ruídos e ocorrem em uma faixa de frequência de 100 Hz até 1000 Hz. A principal característica dessa faixa de ruído é a sua grande propagação para os sistemas mecânicos vizinhos ao freio, como direção, suspensão e o próprio chassi do veículo. O squeal de baixa frequência ocorre em uma estreita faixa de valores acima de 1000 Hz e é caracterizado pelo fenômeno do acoplamento modal. Esse é um dos principais mecanismos causadores do squeal, trata-se da sobreposição de modos de vibração dos componentes do freio entre si, ou entre os sistemas vizinhos ao freio. O squeal de alta frequência ocorre, basicamente, da mesma forma. Entretanto, devido a maior faixa de frequência, a partir de 5.000 Hz, está mais concentrado nos componentes pesados do sistema de freio, como o disco. Além disso, também ocorre devido a proximidade entre modos instáveis, seja estes de componentes do sistema de freio, ou de componentes vizinhos.

Trichês et al (2007), dizem que o squeal foi primeiramente relacionado ao mecanismo stick-slip, que é um vibração decorrida da diferença entre os coeficientes de atrito estático e dinâmico e da relação negativa entre o coeficiente de atrito e a velocidade de deslizamento. Entretanto, apesar desse mecanismo ser uma fonte de energia para o ruído, nem sempre este se fez presente quando o mecanismo estava efetivamente ocorrendo. Assim, as buscas pela causa completa desse fenômeno ainda se faziam necessárias. Então, foi quando se descobriu que, mesmo com o coeficiente de atrito constante, o squeal ainda possui grande probabilidade de ocorrer. Isso estava relacionado a deformações ao longo da área de contato, levando a uma variação do coeficiente de atrito ao longo da mesma, esse mecanismo foi proposto por Spurr (1961) e chamado de sprag-slitp.  Estes dois mecanismos levam, invariavelmente, ao acoplamento modal devido a proximidade entre modos instáveis ou a proximidade destes com os modos de frequência natural dos componentes. Se definidos os parâmetros de entrada para o squeal, pode-se dividi-los em duas categorias, A primeira estão os parâmetros que se relacionam diretamente com o squeal, ou seja, se seus valores aumentam, invariavelmente a propensão ao squeal, aumenta. Nesta estão parâmetros ligados à operação do sistema, como coeficiente de atrito e a velocidade relativa. Na segunda categoria estão os parâmetros de relação inversa, em geral, mais ligados a características dos materiais utilizados, como massa, rigidez e parâmetros geométricos [Murakami et al, 1984].

Manutenção

Em virtude de sua baixa quantidade de peças, o sistema de freio a disco possui manutenção simples e rápida. O principal serviço de manutenção é a troca das pastilhas de freio e substituição do fluído de freio. O primeiro sinal da necessidade de substituição das pastilhas de freio é o aumento do curso no pedal de freio. A medida que as pastilhas se desgastam, sua espessura diminui, de forma que é necessário mais fluído de freio para empurrar pastilha contra o disco. Nesse momento não se deve adicionar mais fluido de freio ao sistema. A substituição da pastilha é necessária. Em casos extremos, o desgaste consome todo o material de atrito e alcança o backplate. Quando isso ocorre, este arranha o disco de freio deixando-o exposto a falhas mecânicas, como trincas.

O fluído de freio é meio transmissor da força aplicada no pedal. Sua incompressibilidade se perde conforme o tempo de uso por ser higroscópico, em outras palavras, absorver a água contida no ar (umidade). Isso resulta em pontos de concentração de água no sistema, provocando pedal de freio esponjoso e oxidação local. Este último modo de falha ocorre devido a água ficar concentrada em um ponto do sistema, provocando uma oxidação precoce. A sangria do fluído de freio para abastecimento do novo é o serviço mais importante do sistema de freio, pois está diretamente ligada ao desempenho do mesmo. Não se misturam fluídos de freio de referências diferentes, como DOT 3 com DOT 4 ou vice-versa, embora seja plausível utilizar fluídos de marcas diferentes em último caso.

O disco de freio também deve ser substituído, porém sua periodicidade de troca é maior. Apesar de mais resistente ao desgaste, o disco também se desgasta com o atrito. A medida que o sistema é ativado, o disco perde material, até tornar-se fragilzado devido a isso. Entretanto, uma falha mecânica no disco seria catastrófica. Para evitar tal acontecimento, procede-se a verificação da espessura do disco utilizando um relógio comparador e uma base. O objetivo é verificar as variações na superfície do disco. Essa medição também detecta problemas empenamento do disco, que provocam vibrações no pedal de freio. É comum algumas oficinas oferecerem serviços de plaina do disco, objetivando retificar a superfície. Contudo, a perda de material é significativa e expõe o veículo a falhas no sistema de freio que podem levar perda de controle do veículo. A retífica do disco de freio nunca deve ser considerada na manutenção do veículo, ao invés, substitui-se os discos fora de especificação. A manutenção correta do disco é a troca das pastilhas de freio no momento em que for detectado que limite inferior de espessura foi atingido.

Referências