Fundamentos dos modelos matemáticos de pneus – Parte 5
A modelagem do pneu pelo modelo Paceijka permite realizar cálculos rápidos sobre o desempenho do pneu. Na ausência de dados do pneu, não é possível avaliar o desempenho do pneu. Porém, com apenas um gráfico é possível estimar o comportamento desse pneu. Portanto, considerando a Figura 1 que ilustra o gráfico da carga lateral Fy por ângulo de escorregamento teórico. O objetivo é encontrar o coeficiente da fórmula mágica que é dada abaixo. Este artigo realizará alguns cálculos usando gráficos como a única informação disponível. O método aplicado pode ser facilmente utilizado em campo para recuperar informações rápidas e qualitativamente boas sobre o desempenho do pneu.
O método é baseado em suposições, portanto quanto mais experiente for o profissional, mais próximo do caso real será a tentativa. O primeiro parâmetro a ser estimado é a carga vertical Fz. Um bom palpite para este caso é 700 N ou 0,7 kN e esta será a primeira tentativa. Mais tarde, 550 e 200 N também serão estimados. Como Fz é estimado, é possível adivinhar o parâmetro D quando o pneu está abaixo do pico de Fy que pela Figura 2 uma boa tentativa é 1100 N. Assim, pela equação de D é possível calcular o coeficiente de atrito:
D = ym = μ*Fz
μ = ym / Fz = 1100 / 700 = 1.57
O próximo passo é adivinhar o valor assintótico ya, que representa a carga lateral produzida em ângulos de escorregamento muito altos. Esta é uma condição em que o pneu já atingiu o desempenho máximo, mas os ângulos de escorregamento continuam aumentando. Normalmente, Fy diminui até atingir uma força quase constante, que é drasticamente menor do que o pico Fy. Um bom palpite é 800 N e as seguintes equações podem ser aplicadas:
ya = limx→∞ y(x) = D*sin(C*π/2)
C = 2 – (2/π)*arcsin(ya/D) = 2 – (2/π)*arcsin(800/1100) = 1.48
D e C já foram encontrados, falta B e E que estão correlacionados com a rigidez nas curvas. Pela definição, isso é dado pela derivada da carga lateral pelos ângulos de escorregamento. Porém, após o término da parte linear da curva, a rigidez em curva (Figura 2) diminui até chegar a zero, que é a condição para o pico da carga lateral, Fy. A rigidez em curva é dada por y'(0) e deve ser estimada para permitir o cálculo do parâmetro pela seguinte equação:
B = y'(0)/(C*D)
Usando a Figura 2 para adivinhar y'(0) é possível encontrar 20000 N/rad, aplicando assim na equação acima:
B = 20000/(1.48×1100) = 12.28
O parâmetro E depende de B e xm, este é o ângulo de escorregamento no pico de Fy, portanto pode ser estimado pela Figura que sugere que xm é igual a 0,15 rad. Assim, a seguinte equação pode ser aplicada:
B×(1 – E)×xm + E×arctan(B×xm) = tan(π/(2C))
E = [B×xm – tan(π/(2C))] / [B×xm – arctan(B×xm)] = [12.28×0.15 – tan(π/(2×1.48)] / [12.28×0.15 – arctan(12.28×0.15)] = 0.07
Agora, com Fz, μ, B, C, D e E, é possível visualizar a curva fixando esses parâmetros, que foram encontrados por estimativa e conjectura, e aplicando os ângulos de escorregamento vistos na Figura 2, que passa por – 0,2 para 0,2. Assim, para Fz, μ, B, C, D e E que são iguais a 700 N, 1,57, 12,28, 1,48, 1100 e 0,07, respectivamente, a curva estimada pode ser comparada com a original.
Como pode ser visto na Figura 3, basicamente o gráfico adivinhado se sobrepõe ao original, o que significa que os resultados foram aproximadamente os mesmos. É possível verificar também os valores da curva original conforme sugerido pela Figura 4.
Os valores são quase os mesmos. A estimativa do ym (1100 N) quase atingiu o valor real, que é 1099,2 N. Além disso, o valor obtido com as estimativas e aplicação da fórmula mágica foi de 1099,162 N, basicamente o mesmo valor.
Sensibilidade ao valor assintótico
Como as estimativas e cálculos foram bem sucedidos, agora será avaliada a variação do valor assintótico ya e sua influência na plotagem.
Na verdade, ya é uma condição em que o pneu está sendo operado fora de seus limites. Nesta situação, o coeficiente de atrito muda para o valor cinético. O resultado é uma redução drástica da carga lateral. Se o pneu for mantido nesta condição, a força lateral atinge seu menor valor e, então, torna-se constante. No modelo de Paceijka, isso é chamado de valor assintótico. A Figura 5 ilustra três iterações com diferentes ya, 200, 550 e a primeira, 800 N. O ponto interessante dessas iterações é que após plotar as curvas, elas ficam praticamente sobrepostas. Isso sugere que a sensibilidade da fórmula mágica ao valor assintótico ya é muito baixa. Assim, sugere-se iniciar as iterações por ya, pois depois de definido, C pode ser encontrado pela seguinte equação:
C = 2 – (2/π)×arcsen(ya/D)
Portanto, B e E podem ser definidos. Mesmo que ya varie drasticamente, os outros coeficientes são fracamente correlacionados com ele. Um bom palpite para você está na faixa de:
0.2 < ya/ym < 0.85 => ya/ym = 800/1100 = 0.73
Portanto, os palpites feitos nos primeiros parágrafos estão dentro desta faixa, portanto, factíveis de entregar bons resultados.
Sensibilidade à carga vertical
O primeiro passo na análise da sensibilidade da carga vertical Fz sobre a carga lateral Fy é levar em conta sua influência no coeficiente de atrito µ. Daí a seguinte equação é introduzida:
µ = µ1 + (k×Fz)
Onde µ é o coeficiente de atrito obtido pela equação D no início do artigo, µ1 é o coeficiente de atrito resultante devido a Fz, k é um coeficiente derivativo, é dado por k = dµ/dFz. Nos cálculos realizados neste artigo, k é igual a -0,05 kN-1. Assim, é possível calcular e plotar o impacto de Fz em µ1.
A Figura 6 ilustra o efeito de Fz, uma diminuição progressiva do coeficiente de atrito µ1. Isso sugere que, quanto mais carga vertical estiver sobre o pneu, menos capacidade de produzir aderência ele terá. Portanto, a equação do coeficiente de atrito é agora adicionada à equação D:
D = µ×Fz = [µ1+(k×Fz)]×Fz = [a2+(a1×Fz)]×Fz
Como pode ser visto, para contabilizar a sensibilidade Fz na fórmula mágica, o parâmetro D está agora em função de dois novos parâmetros, a1 e a2 que são k e µ1. Assim, B, C e E agora têm mais coeficientes dentro de suas equações que estão resumidas abaixo:
B×C×D = y'(0) = a3×sin(2×arctan(Fz/a4))
B = B(Fz) = y'(0) / (C×D(Fz)) = (a3×sin(2×arctan(Fz/a4)) / (C×Fz×(a1×Fz+a2))
C = 2 – (2/π)×arcsin(ya/D) = a0
Onde a1, a2, a3 e a4 referem-se a k, µ1, y'(0) e Fz, respectivamente. Além disso, existe outro coeficiente denominado a0, que se refere ao parâmetro C. Com essas equações é possível construir a Fórmula Mágica em função de x, que se refere ao ângulo de escorregamento e y se refere à carga lateral.
A Figura 7 ilustra que aumentando o ângulo de escorregamento, que é dado pelo valor teórico σy, a carga lateral Fy também aumenta. Porém, se σy for fixo, por exemplo em 0,05, é possível verificar que o aumento da carga vertical Fz permite ao pneu produzir um Fy maior com o mesmo σy. Esta é uma conclusão bastante importante, mas não significa que aumentar a massa do veículo gera uma melhor aderência. O motivo é a redução de µ observada na Figura 6. Isso também é válido para as transferências de cargas laterais. Porém, se a carga vertical considerada for devida à aerodinâmica, isso é bastante útil, pois Fy aumenta sem a penalização vista na Figura 6. A aerocarga é uma carga sem peso.
Outro gráfico interessante é visto na Figura 8, que ilustra o gráfico entre a rigidez em curva e Fz. Por este é possível visualizar os parâmetros a3 e a4. Estas são a rigidez de curva no pico y'(0) para a carga vertical de referência considerada, respectivamente. A referência Fz para o exemplo analisado neste artigo é 700 N ou 0,7 kN, que conforme a Figura 1 produz y'(0) de 20000 N/rad ou 20 kN/rad. Portanto, a Figura 8 ilustra por que a3 e a4 são 20 kN/rad e 0,7 kN, respectivamente. No entanto, a Figura 7 esconde uma informação importante. Como já foi explicado porque a aderência produzida conforme Fz aumenta, isso deve ser visto na Figura 7, mas se a carga lateral Fy for avaliada normalizada por Fz, o gráfico explica mais porque em algum ponto o aumento de Fz não representa melhor aderência.
A Figura 9 ilustra que à medida que Fz aumenta, Fy também aumenta, mas não de forma proporcional em relação a Fz. Na verdade, Fy aumenta cada vez menos até um limiar em que não há mais ganho. Como já mencionado nos parágrafos anteriores, ocorre devido à penalização de µ em relação a Fz. Assim, quanto mais Fz, mais Fy, mas a um custo de redução de µ. Em algum momento este será maior que o ganho de Fy, conforme visto na Figura 9 no curvador de Fz igual a 0,9 an 1,0 kN.
Transferência de carga lateral
Uma vez verificada a sensibilidade de Fz, é possível avaliar os efeitos da transferência de carga lateral no eixo. Na verdade, o gráfico para este caso também ajuda a entender a sensibilidade de Fz. É importante entender que isso não é totalmente intuitivo. Assim, considerando uma situação em que 0,1 kN de carga vertical Fz é transferido de uma roda para outra do mesmo eixo e aproveitando os cálculos anteriores, a Figura 10 pode ser produzida.
Como pode ser visto, em ângulos de escorregamento baixos quase todos os casos tem o mesmo comportamento, as curvas basicamente são sobrepostas com exceção das curvas vermelha e azul. Também é possível visualizar que o maior Fy é produzido a cerca de 0,75 rad. A Figura 10 sugere que a transferência de carga lateral sob altas cargas verticais produz menor Fy. No entanto, nesses casos, o pico de Fy ocorre em ângulos de escorregamento menores.
A Figura 11 ilustra a tabela dos valores calculados para plotar o gráfico na Figura 10, é possível confirmar que para Fz menor, o Fy gerado é maior, mas em ângulos de deslizamento altos, 0,075 rad enquanto para Fz maior o ângulo de deslizamento para o pico de Fy vem em 0,05 rad. Se esses valores forem normalizados por seus respectivos Fz é possível traçar as mesmas curvas que estão na Figura 10, mas agora sendo a transferência de carga lateral normalizada.
A Figura 12 confirma que o aumento excessivo de Fz proporciona progressivamente menos ganho, que em algum momento há uma redução. Portanto, a capacidade do veículo de fazer curvas em velocidade muito alta está ligada à carga vertical sobre os pneus. Este, se for fornecido pela massa do veículo, penalizará a aderência dos pneus, mas se for fornecido pelo aeroload, downforce, permite que o veículo rode em altíssima velocidade nas curvas (médias e altas). Porém, há um detalhe oculto na Figura 12. Os maiores Fy são obtidos em ângulos de escorregamento menores. Isso concorda com o fato de que maior downforce resulta em maior Fy em ângulos de deslizamento menores. Mesmo que esta seja uma grande vantagem, em algum ponto uma grande força descendente resultará em ângulos de deslizamento muito baixos que atrapalham o aquecimento do pneu. Os ângulos de deslizamento são necessários para aquecer os pneus e produzir aderência, portanto, a aderência pode diminuir mesmo em Fz muito alto.
Deslizamento lateral puro
O método adotado anteriormente pode ser aplicado a qualquer curva de pneu, a Figura 13 ilustra o exemplo. Agora a referência Fz é dada e os parâmetros B,C, D, E, a0, a1, a2, a3 e a4 devem ser encontrados.
Portanto, a curva de referência é aquela relativa a Fz = 4000 N, que estão no meio. Apenas com a Figura 13 é possível estimar xm, ym, y'(0) e ya, a partir destes os demais parâmetros podem ser calculados pelas equações citadas anteriormente.
A Figura 14 ilustra como é possível adivinhar esses parâmetros, portanto os cálculos são:
xm = 10° = 0.175 rad
y'(0) = a3 = 800 N/° = 45836.62 N/rad = 45.84 kN/rad
D = ym = µ×Fz = 4250 ; µ = 4250 / 4000 = 1.063
µ = µ1 + (k×Fz) ; µ1 = µ – (k×Fz) = 1.063 – (-0.05×4000) = 1.263 ; a2 = 1.063 ; a1 = – 0.05 kN-1
a4 = Fz = 4000 N = 4.0 kN
ya = 3900 N = 3.9 kN (guessed)
Esses cálculos são usados como base para encontrar B, C e E que estão resumidos na Figura 15:
Como na Figura 14 é possível adivinhar ym, xm, y'(0) e ya, esse parâmetro alimenta as seguintes equações:
D(Fz) = ym = (a2 + (a1×Fz))×Fz
B×C×D = y'(0) = a3×sin(2×arctan(Fz/a4))
B(Fz) = y'(0)/(C×D) = (a3×sin(2×arctan(Fz/a4)))/(C×Fz×((a1×Fz)+a2))
C = 2 – (2/pi)×arcsin(ya/D)
Portanto, é possível usar como referência Fz 2000 e 6000 N para estimar as outras duas curvas pelo mesmo método descrito acima e plotar a curva Fórmula Mágica para cada caso como visto na Figura 16.
Assim, comparando os resultados da Figura 16 com os gráficos ilustrados na Figura 14 é possível concluir que há uma boa aproximação. A única diferença entre as Figuras 14 e 16 é que o gráfico desta última é exibido com ângulos de escorregamento em radianos por preferência pessoal.
Deslizamento longitudinal puro
Todos os exemplos dados nos parágrafos anteriores referem-se a situações de cargas laterais, mas a fórmula mágica também pode ser aplicada a cargas longitudinais. A Figura 17 ilustra uma curva de deslizamento longitudinal puro no caso de frenagem e aqui será adotado o mesmo método aplicado anteriormente.
Neste caso serão adotadas as mesmas condições aplicadas no deslizamento lateral puro, assim a referência Fz será 4000 N ou 4,0 kN. É importante ser informado que agora a análise será realizada em relação ao deslizamento longitudinal prático σx.
A Figura 18 ilustra os pontos do gráfico dos quais é possível subtrair as informações solicitadas, que são xm, ym, y'(0) e ya, o deslizamento longitudinal σx no pico, o pico da força longitudinal Fx, a rigidez longitudinal e o valor assintótico.
ym = -4250 N ; D = µ×Fz ; µ = -4250/4000 = 1.063
µ = µ1 + (k×Fz) ; µ1 = µ – (k×Fz) = 1.063 – (-0.05×4000) = 1.2625
xm = 0.08 ; ya = – 3500 N ; ym = – 4250 N
a1 = -0.05 kN-1 ; a2 = 1.2625 ; a3 = -4250/0.08 = – 53125 N = – 53,125 kN ; a4 = – 4000 N = – 4.0 kN
Portanto, esses parâmetros podem ser aplicados nas seguintes equações:
D(Fz) = (a2+(k×Fz))×Fz
C = 2 – (2/pi)×arcsen(ya/D)
B×C×D = y'(0) = a3×sen(2×arctan(Fz/a4))
B(Fz) = y'(0)/(C×D) = (a3×sen(2×arctan(Fz/a4)))/(C×Fz×(a2+(k×Fz)))
A Figura 19 ilustra os cálculos resumidos em uma tabela juntamente com os cálculos da Fórmula Mágica. Além disso, o mesmo procedimento aplicado para carga vertical de referência de 4000 N foi aplicado para 2000 N, 3000 N e 5500 N. A faixa de σx é aplicada de acordo com o que foi visto na Figura 17.
Como pode ser visto, mais Fz, maior Fx, melhor tração e aderência. Outro ponto interessante observado na Figura 20 é a maior rigidez y'(0) = a3. Se comparado com os valores de deslizamento lateral (20 kN contra 50 kN), é possível concluir que os efeitos devidos à transferência longitudinal de carga são mais rápidos do que os mesmos para a transferência lateral de carga. A Figura 20 ilustra isso pela alta inclinação na parte linear da curva. Além disso, a porção assintótica da curva também aparece mais cedo do que na análise de deslizamento lateral.
Referências
- Race Car Vehicle Dynamics – Miliken & Miliken;
- Guiggiani, Massimo. The Science of Vehicle Dynamics. Handling, Braking, and Ride of Road and Race Cars. New York, Springer, 2014;
- Haney, Paul. The Racing & High-Performance Tire – Using the Tires to Tune for Grip & Balance. TV Motorsports, SAE, January, 2003.